
Francisco Correia de Heredia, foi feito visconde da Ribeira Brava por D. Luís I. Formado em Letras, notável esgrimista, poli-comendador, cavaleiro-fidalgo da Casa Real, governador civil de um sortido de distritos, Beja, Bragança e Lisboa e deputado antes e depois de 1910. No combate contra a monarquia, republicanos e dissidentes do Partido Progressista formaram um comité revolucionário: Herédia e Alpoim de um lado, e Afonso Costa, que o visconde admirava, e Alexandre Braga, de outro. O comité reunia em sua casa. Teria aí nascido o plano do movimento revolucionário de 28 de Janeiro de 1908, para depor João Franco, anulado três dias depois. As armas do 28 de janeiro foram compradas e guardadas pelo visconde da Ribeira Brava. Após o homicídio de D. Carlos I e do príncipe real, Francisco filiou-se ao Partido Republicano e exerceu grande influência política na Madeira. Perseguido pelo sidonismo, foi morto em tiroteio, em Lisboa. Francisco Correia de Herédia é o trisavô paterno de D. Isabel de Herédia, esposa de D. Duarte Pio, o duque de Bragança e pretendente ao trono. Tese monárquica antiga considera que o visconde da Ribeira Brava foi o mentor, uma espécie de autor moral, quiçá o fornecedor das armas do regicídio. A monarquia está, pois, reconciliada com a história.
Ocorre hoje o centenário do regicídio. A data despertou paixões latentes e escondidas no dia-a-dia e suscitou um debate sobre D. Carlos e a monarquia. De repente, passou a ser moda, nalguns círculos com pouca memória e pouca informação histórica, elogiar D. Carlos e a monarquia. A propósito do centenário do regicídio e do centenário da República, tem recrudescido o debate sobre o virtuoso rei assassinado à queima-roupa no Terreiro do Paço e, de passagem, sobre a bandalheira em que o Partido Republicano transformou a Pátria.
A experiência da I República ajuda à festa da celebração monárquica. Sabe-se que até à chegada de Oliveira Salazar, o país afundou-se em lutas, gastos, desordens e escaramuças de rua sortidas, depois do derrube da Monarquia. Em continuidade, aliás, com o que já sucedia antes.
Mas além do centenário do regicídio, sobrevem um outro: o da própria República, que ocorre em 2010. O regime, sem perceber os tempos, decidiu comemorá-la da pior forma. Decorou o Diário da República com uma comissão, mais outra de honra, um conselho científico, uma sub-comissão, tudo certamente bem regado de actas, instalações, senhas de presença e ajudas de custo. Lamentável. Mais parece uma comemoração monárquica da República.
Eu sou convictamente republicano. Mas não tenho da República a noção das romarias aos cemitérios e das charangas de brigadas do reumático. Julgo até que a questão do regime não é actualmente uma polémica. Mas sempre me declarei favorável ao tira-teimas por que tantos monárquicos anseiam: um referendo sobre a forma republicana de Governo. Quando o pude fazer, propus essa alteração constitucional, sem sucesso. Por mim, faça-se já e arrume-se com a questão, embora, sinceramente, me pareça que os próprios monárquicos decidiram, pelo menos por uns tempos, congelar a ideia.
O ponto importante neste momento é este: republicanos ou monárquicos, importa saber quem concorda e quem discorda com o homícidio como forma de luta política. Em 25 de Abril de 1974 não foi preciso matar ninguém. Para derrubar a monarquia também não era preciso. É por isso que o regicídio deve incomodar qualquer cidadão de bem, independentemente da sua convicção de regime.
Um ministro da República, esta semana, por pressão do inenarrável Bloco de Esquerda, que desde o referendo do aborto anda à procura de causas, proibiu a banda do Exército de participar numa comemoração do regicídio. Julgo que daqui a cem anos ninguém se lembrará desse ministro. Mas continuar-se-á a lembrar o regicídio. Por culpa de alguns republicanos facínoras.
(publicado na edição de hoje do Diário de Aveiro)
Os portugueses comemoram pouco e mal. Comemoram pouco porque abandonaram a sua história. Quando comemoram, comemoram mal, à base da comenda, das comissões e dos feriados. Entre nós, as comemorações são normalmente um bom pretexto para a preguiça.
Agrada-me que os monárquicos comemorem o homicídio político do rei D. Carlos. Significa que há gente viva, que não perdeu o sentido das suas convicções. O homicídio como método de luta política chama-se nos nossos dias terrorismo, no que os regicidas terão sido percursores. Tenho para mim que se tratou, não apenas de um crime, como de um acto inútil, já que a monarquia cairia por si.
Essa comemoração permite-me a mim comemorar desde já, a República. Comemorar o princípio democrático fundamental, segundo o qual, a sede do poder é o povo e o mérito e não o sangue e a herança de uma família especial. Aí reside a essência da diferença. E essa deve comemorar-se sempre. Para um republicano como eu, pelo menos.
(publicado na edição de hoje do Democracia Liberal)