Várias semanas depois do não irlandês ao Tratado de Lisboa a Europa não só não morreu, como tem continuado a sua vida perfeitamente normal. O dia a dia é o maior desmentido das teses catastrofistas daqueles que querem impingir um tratado à força.
José Sócrates confessou a Eduarda Maio, em declarações prestadas à sua biógrafa, que conseguiu o feito notável de fazer “ajoelhar” a Polónia no último round das negociações que conduziram ao Tratado de Lisboa. Para além desta meio naif, meio repugnante concepção das negociações entre Estados iguais, talvez Sócrates se tenha enganado e, afinal, não tenha conseguido ajoelhar ninguém.
Considerando o Tratado como juridicamente morto depois do resultado do referendo irlandês, o Presidente da Polónia decidiu não assinar o decreto que aprova o Tratado na ordem jurídica polaca, mesmo depois do Parlamento o ter aprovado. Afinal, parece que os ajoelhados estão em pé.
A recusa do presidente polaco em assinar a ratificação do Tratado de Lisboa e as reservas do Presidente da República Checa em fazer o mesmo, são sinais evidentes de que não é possível prosseguir, sob pena de graves dissabores, o caminho de marchar a toque de caixa, ou melhor, a toque de tratado, por cima de tudo e todos, como se a União fosse um rolo compresso, esquecendo a diversidade de interesses geo-estratégicos.
Para os euro-fanáticos os que discordam do caminho único que o movimento federal patrocinado pela França e pela Alemanha quer impor aos cidadãos dos 27 Estados da União Europeia devem ser tratados assim mesmo: ajoelhar. Sujeitar-se. Submeter-se.
Mas esse caminho está votado ao insucesso. O caso da Polónia é paradigmático e vale bem uma aproximação histórica. Entalada entre duas potências europeias que disputam a supremacia na Europa, a Alemanha e a Rússia, a Polónia encara o atlantismo como uma garantia da sobrevivência. Nos últimos três séculos a Polónia tem sido uma soberania, um território e uma pátria intermitente. Após as partilhas negociadas pela Prússia, pela Áustria e pela Rússia e a obtenção da independência no rescaldo da I Guerra Mundial, a Polónia viveu sempre com fronteiras incertas e instáveis.
Em 1919, os polacos queriam a restauração da Polónia anterior ao retalho territorial desenhado pelas potências europeias, mas teve de contentar-se realisticamente com um território menos relevante, extremamente extenso e com uma composição étnica complexa, onde as minorias alemã, russa, ucraniana ou lituana aspiravam com nostalgia ao regresso às suas pátrias de origem.
Os aliados estavam confrontados com a necessidade de viabilizar a Polónia. Embora os britânicos apoiassem os desígnios do governo polaco no exílio, que aspirava ao regresso às fronteiras de 1939, os soviéticos tornaram clara a intenção de manter os territórios bielorussos e ucranianos que o pacto germano-soviético adjudicara à URSS.
A solução para o imbróglio consistiu na atribuição de todo o leste da Alemanha à reconstruída Polónia. Estas recomposições territoriais sempre foram apanágio da chamada realpolitik da força, mas o que se tornou trágico foi o sistema adoptado para a transferência da Silésia, da Pomerânia e de parte Prússia Oriental para a administração polaca.
Mais de sete milhões de alemães foram sumariamente expulsos do seu património ancestral, como sucedeu com os Sudetas, num processo de limpeza étnica que não se diferenciou muito do plano do Drang nach Osten do III Reich.
O presente envenenado que os polacos foram já então ajoelhadamente obrigados a aceitar, continua para eles a ser uma irritante fonte de insegurança e incerteza. A verdade é que a Silésia e as outras províncias não se situam no Médio Oriente nem na Ásia. O presidente polaco sabe-o melhor que ninguém e por isso de cada vez que ajoelhar se levantará em cada
Quando afirma que a Europa vive a sua pior crise desde a II Guerra Mundial, na sequência do não irlandês, Luís Amado devia pensar um pouco na história da Europa e nas consequências dela. Mas duvido. Tal como os seus colegas das chancelarias europeias, ele quer que todos os países prossigam com a ratificação do Tratado para encurralar a Irlanda, para fazer ajoelhar a Irlanda, tal como Sócrates, do alto da sua limitada dimensão política e de Estado, confessou ter feito com a Polónia
Sarkozy pode zangar-se e Barroso pode enfurecer-se. Sócrates pode ver a sua carreira tremida e Merkel pode perder a paciência. Em vão o farão, pois a Polónia não é Malta, não é o Chipre. Conhece bem os riscos que o futuro lhe reserva e procura viver uma existência emprestada por uma compensação que não desejou mas à qual teve que se vergar, sob a mira dos canhões de Estaline e da complacência de Roosevelt.
E, todavia, a Europa continua a viver o seu dia-a-dia, as instituições europeias continuam a funcionar e sem tratado novo. Que estranho que deve ser para os ditadoretes que a governam.
(
O Presidente polaco, que, como se sabe, é daqueles que em português vernáculo se costuma dizer que os tem no sítio diz que não assina o Tratado da Carreira de Lisboa, porque o mesmo está sem substância devido ao não irlandês. Más notícias para a carreira.
"Tenho a maior consideração pela Polónia mas isso, eu não faço. Eu não adio! Não quero olhar para trás e dizer: há aqui um acto de que me envergonho e desse acto eu tenho vergonha. E não o fiz. E eles vieram cá e ajoelharam. Assinaram o acordo dois dias antes das eleições na Polónia". Isto afirmou José Sócrates em declarações à sua biografia autorizada. Será difícil encontrar melhor síntese sobre a forma como esta União Europeia e os políticos que a dirigem olham para quem se atreve a discordar dos caminhos cozinhados nas cimeiras e nos petit comité. Ajoelhar. Ajoelhar. Ajoelhar. Eles não adiam nada excepto quando o povo vota. Aí têm de adiar. O problema é que um dia destes é a União que vai ter de ajoelhar à força dos factos e das crises em que sucessivamente se vai metendo. A Irlanda provocou a última artrose à União. Quanto a Sócrates, um político assim, que vive de ajoelhar os outros, só pode ter futuro. Triste.
(publicado no Camara de Comuns)
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