Pelo menos 40 mil idosos portugueses não têm capacidade financeira para comprar alimentos. Avançar Portugal.
As preocupações com a pobreza costumam ser proporcionais à intensidade das crises económicas e sociais. Estes momentos são pasto fácil para o oportunismo e a demagogia na busca do voto. É frequente ver governantes e ex-governantes dom retóricas sobre a pobreza nos momentos de crise económica e social aguda, como aquela em que actualmente vivemos.
A verdade é que não fora a acção de inúmeras instituições privadas que dentro e fora das crises ajudam quem precisa e há sempre quem, a pobreza seria um fenómeno social ingovernável. Quanto ao Estado, a verdade também é que a pobreza não se remedeia, evita-se. Evita-se com políticas acertadas de criação de condições para investir, para criar emprego e riqueza.
Em momentos como este, em que há cada vez mais desempregados, mais fome e mais miséria, ninguém presta atenção a qualquer discurso que não passe pelas ajudas do Estado: mais subsídios, mais ajudas, mais dinheiro do Estado para quem precisa. Quando é sabido que o mesmíssimo Estado não aproveita os momentos que pode para facilitar a vida às empresas, para aliviar a carga fiscal aos investidores, para mudar leis do trabalho que desincentivam o emprego, para acabar com licenças inúteis, para acabar som subsídios de preguiça a quem é pobre porque apenas não quer trabalhar.
Existe um bom barómetro político desta atitude hipócrita e anti-social relativamente ao desemprego e à pobreza. O Partido Comunista, poucos se lembrarão, fechou um jornal, o célebre Diário, e vendeu uma editora, a Caminho, sem preocupações de manutenção de emprego dos respectivos trabalhadores ou quaisquer outras. E, todavia, exactamente o Partido Comunista faz gala de manifestações, protestos e indignações com o desemprego dos trabalhadores dos outros e com a pobreza dos outros. Sem que ninguém ouse sequer confrontá-lo com os seus comportamentos.
O Governo, esta semana, mais uma vez a reboque dos acontecimentos foi ao debate quinzenal apresentar medidas de socorro avulsas e, aliás, baratinhas, para tentar corrigir o monumental erro que cometeu ao admitir a gravidade da situação tardiamente, como se Portugal fosse hoje a segunda versão do oásis da crise social dos anos noventa.
E, quando voltar o tempo das vacas gordas, tudo voltará ao mesmo. Ninguém, então, e de novo, se preocupará em tomar as medidas necessárias para garantir mais e melhor produtividade e criação de riqueza. É a sina lamentável de um país mal governado e em que a oposição consegue ser tão medíocre quanto o Governo.
(publicado na edição de hoje do Semanário)
Sábado à tarde solarengo em Lisboa, nas Amoreiras. Muitas e desvairadas gentes atravessam-se em destinos que se cruzam apenas nos corredores e se desvanecem quando se traspõem as portas da rua. Ex-banqueiros e seus advogados saiem a meio da tarde, indiferentes às compras e às músicas de Natal que não páram de tocar. Acusados de ter cometido infracções, terão que se defender, sem horário nem calendário. Gente feliz com sacos leva tudo à sua frente, num irritante autismo, quase agredindo com os seus sacos e as suas malas de compras quem tem o azar de não perceber que não pode pura e simplesmente andar nas Amoreiras mas sim fazer autênticas gincanas. No éter, oiço Pacheco Pereira explicar como as canções de Ágata são retratos sociais de uma época e falavam de problemas do dia-a-dia das pessoas e como esse era o segredo do seu sucesso. Fico a saber que não tem preconceito contra a música pimba. Oiço o "Mãe Solteira" e fico a saber pela milésima vez que posso ficar com com a casa, com o carro, mas não fico com ele. Em seguida Pacheco Pereira decreta a morte da filatelia com os novos costumes do e-mail e do sms e com a rarefacção da utilização das estampilhas postais, vulgo selos. Também eu fui filatelista amador e gostei de recordar os tempos do selo. Este programa de Pacheco Pereira no Rádio Clube foi-me da maior utilidade. Permitiu-me descansar da memória do homem que vira, minutos antes, tombar, redondo no chão, de inanição. Tão simples quanto isso. Um homem, já idoso, rosto marcado indelevelmente pelas agruras da vida, com um porte de uma dignidade incrível, que caía ao chão (vi duas vezes), apenas porque ainda não tinha comido nada ontem. Era apenas fome. Apenas. Recusou ambulância, recusou médico. Ajudado pelos seguranças do centro comercial em deriva humanitária, sentou-se numa cadeira esperando o regresso das forças que lhe permitissem andar. A Margarida, de lágrimas nos olhos, foi-lhe comprar um pacote de leite, que lhe deu a beber, antes de desabafar em português vernáculo contra o mundo que permite que estas pessoas estejam a viver assim. Foi o inesperado pequeno-almoço do homem por volta das cinco da tarde. Compreendo muito bem que a Margarida não sinta Natal. É realmente muito difícil. A fome daquele homem não estava escrita na cara, nem vem nas estatísticas da desigualdade social do INE de 2006 com que Sócrates discursou esta semana no debate parlamentar. Também não sei se aquele homem é funcionário público e vai ter acesso ao apoio que o Governo anunciou em exclusivo para funcionários públicos. Sei que no meu país a pobreza oculta-se mas vai matando lentamente.
(publicado em O Carmo e a Trindade)
Vinte e dois anos depois de termos entrado nas Comunidades Europeias e depois de milhões de contos e de euros investidos em tudo e mais alguma coisa, é triste verificar que Portugal piorou a sua situação relativa em comparação com os outros Estados da União Europeia em indicadores sociais e de desenvolvimento. Esse dinheiro foi investido para que o país e os seus cidadãos convergissem com os países e com os povos mais desenvolvidos e o que sucedeu é em vez de convergirmos, divergimos. Desse ponto de vista encontramo-nos todos a viver a consequência de uma oportunidade perdida.
É fácil apontar o dedo aos políticos que negociaram os fundos, que decidiram os fundos, que distribuíram os fundos, que gastaram os fundos. E eles terão enormes responsabilidades no fiasco europeu. Mas é preciso perceber que o problema é mais fundo que essa responsabilidade principal. E que esse problema tem que ver com uma falta de exigência cívica colectiva de rigor e competência.
A forma como a sociedade portuguesa se indigna periodicamente com a pobreza, simplesmente a propósito de um relatório internacional ou de um artigo mais polémico de um colunista é um paradigma do que pretendo significar com a falta de exigência cívica de que falo.
É essa cultura de facilidade que perpassa em toda a sociedade de uma forma geral que também explica que se tenha chegado a um ponto em que cada português deve em média quinze mil euros a instituições financeiras. A dívida dos portugueses às instituições financeiras somou quase 150 mil milhões de euros no ano passado, o que significa que cada português, em média, deve 15 mil euros.
Esta é a conclusão do relatório sobre a estabilidade do sistema financeiro divulgado esta semana pelo Banco de Portugal. O montante do endividamento de 2007 representa 91 (!) por cento da riqueza produzida pelo país no último ano.
No mesmo, o banco central manifestou preocupação por a taxa de endividamento dos portugueses ter subido de 124 para 129 por cento do rendimento disponível apenas num ano. E alerta para o perigo de um número elevado de famílias não cumprir as obrigações financeiras porque “o accionamento de hipotecas teria graves consequências do ponto de vista social, dada a importância da habitação como bem de primeira necessidade e o deficiente funcionamento do mercado de arrendamento”. Assim se mede o quanto se vive acima do que se pode e do que se produz em Portugal.
Quanto à taxa de poupança dos portugueses, desceu em 2007 pelo sexto ano consecutivo. No ano passado, a poupança foi 7,9 por cento do rendimento disponível. O sobreendividamento e a pobreza são as duas faces do atraso económico e social.
A este cenário já de si pouco recomendável regista-se agora uma brutal alta de preços nos combustíveis, com todas as consequências demolidoras que isso tem em toda a economia, desde a desactivação de pequenas empresas, ao sequente desemprego até aos aumentos nos preços da alimentação. Situação que, como facilmente se percebe produz mais pobreza.
Ou percebemos todos, Estado e cidadãos, que só se pode começar a dar a volta ao assunto com mais responsabilidade social de todos ou nada feito.
(publicado na edição de hoje do Diário de Aveiro)
Mário Soares está preocupado com a pobreza. Também eu. Mário Soares diz que é preciso fortalecer o Estado e não transferir riqueza para os privados. Eu digo que é preciso emagrecer o Estado para os privados produzirem mais riqueza.
"Atirar menos de dois euros para o chapéu de um indigente é motivo suficiente para se ser corrido a insultos de fazer corar um sargento de Cavalaria."
Eurico de Barros, no Diário de Notícias.
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