Há imagens que matam. Num país moderno como foi decretado que passámos a ser a partir de 11 de Fevereiro, num país cheio de choques tecnológicos, SIMPLEX’s, PRACE’S e outras parafernálias da propaganda, então há imagens que matam duas vezes. Pelo descuido, pela incompetência, pelo atraso dos poderes públicos que existem para servir os cidadãos.
Os 106 alunos da escola básica de Sernancelhe, que foi demolida na segunda-feira, retomaram hoje as aulas, após as férias de Carnaval, na Casa da Criança desta vila do distrito de Viseu, mas tiveram de se sentar no chão, devido à falta de equipamento escolar. Só cerca das 11h30, duas horas e meia depois da hora prevista para o início normal das actividades escolares, é que a DREN fez saber que o problema iria ser resolvido com a contratação de uma empresa privada para descarregar o mobiliário e os alunos saíram do chão para se sentarem nas cadeiras que já conheciam da velha escola - era quase meio-dia quando os mais de cem alunos regressaram à normalidade.
Por um lado, o presidente da autarquia de Sernancelhe acusa a DREN de ser responsável. A DREN acusa a autarquia de ser responsável. As crianças que se sentaram no chão é que não serão certamente responsáveis. Simbolicamente o problema acabou por ser resolvido: por uma empresa privada. Depois queixem-se dos liberais.
(publicado no Democracia Liberal)
" (...) que conceito de "modernidade" e "progresso" autoriza a fazer dos concelhos mais rurais, envelhecidos e analfabetos do Sul - aqueles em que o "sim" teve os melhores resultados -, a vanguarda do "progresso" e da "modernidade"? Para perceber esta estranha mentalidade, teremos de recuar ao século XIX. As esquerdas em Portugal acreditaram sempre que a "modernidade" consistiria numa simples versão laicista da homogeneidade católica do Antigo Regime: onde antes todos eram "católicos", todos um dia seriam "homens de esquerda" (inclusive as mulheres...). Foi o que aprenderam com Auguste Comte. O "progresso" iria consistir no triunfo total do secularismo socialista, tal como a história antiga teria consistido na expansão da igreja cristã. As direitas seriam uma espécie de índios americanos, condenadas a desaparecer perante as caravanas e comboios da esquerda. Foi assim que Afonso Costa, em 1910, se convenceu de que podia acabar com o catolicismo em "duas gerações". O que aconteceu a seguir é conhecido. Mas, pelos vistos, houve quem não tivesse aprendido nada. As esquerdas portuguesas dão-nos as boas-vindas ao século XXI com as ideias do século XIX."
Rui Ramos, no Público