O vereador eleito pelo PS para Câmara de Oeiras, Marcos Perestrello, disse hoje que suspenderá o mandato por "incompatibilidade" com a função de secretário de Estado da Defesa, que assume no sábado. Para quando a vergonha de não brincar com o voto dos eleitores, com os mais nobres princípios da democracia representativa e com o mínimo de decoro político, ainda que sob os menos exigentes padrões do Burkina Faso? No fundo, a questão é sempre a de saber qual é a gamela que mais vai gamelando.
Depois das reformas, dos planos tecnológicos, do cruzamento de dados, do cartão do cidadão, da limpeza dos cadernos, em pleno século XXI, existem em Portugal 650.000 eleitores fantasmas. Uma democracia assim é uma democracia fantasma.
O Estado Novo tinha a taxa do isqueiro, a Democracia tem a multa do sal.
Foi aprovada uma lei em Portugal que diz que se os partidos políticos não fizerem prova de que têm pelo menos 5000 militantes serão extintos pelo Tribunal Constitucional.
O direito de associação partidária é um direito, liberdade e garantia de participação política previsto na Constituição e pode dizer-se que se trata de um direito conformador do Estado democrático, na exacta medida em que é através dele que se projecta a liberdade de ser eleito para os cargos electivos, alguns dos quais aliás, continuam vedados a candidaturas independentes, como é o caso da Assembleia da República.
A Constituição também diz que os direitos liberdades e garantias só podem ser restringidos nos termos previstos na própria Constituição. A Constituição não prevê a exigência de um número mínimo de militantes como condição de existência dos partidos políticos.
Logo, a lei ordinária (talvez nunca este adjectivo tenha sido apropriado, em todos os sentidos), não pode, sob pena de inconstitucionalidade limitar esse direito.
Depois, a lei ordinária vem instar os partidos a cometer outra ilegalidade. Como devem fazer os partidos prova de que têm mesmo pelo menos 5000 militantes. O método óbvio e não se vê outro, é o de fornecer os dados pessoais de identificação de 5000 militantes.
Sucede que a lei de protecção de dados pessoais considera as convicções políticas dos cidadãos como um dado pessoal sensível, especialmente protegido. Só é possível divulgar as convicções políticas de um cidadão com o seu consentimento expresso. Caso contrário, estarão os partidos que fornecerem esses dados a quem quer que seja a violar os direitos dos cidadãos e a cometer uma ilegalidade.
Ignora-se, assim, como fazer prova idónea de que os partidos têm ou não 5000 militantes e o próprio assessor de imprensa do Tribunal Constitucional, certamente incomodado com este problema, afirmou que cada partido fará prova como entender, o que é uma inovação bizarra no direito probatório português, que consiste em firmar a possibilidade de os meios de prova válidos e admissíveis dependerem de quem tem o respectivo ónus.
Estamos pois perante uma inconstitucionalidade e uma impossibilidade prática de prova, por imposição legal.
Resta como alternativa a mentira. Isto é, escrever uma cartinha ao Tribunal a dizer, sim senhores, “para os devidos efeitos informamos Vs. Exas. que temos mais de 5000 militantes”. Ridículo.
Mas isto é o que resulta do Direito.
Quanto à política, e mais do que inconstitucional, é preciso dizer que esta lei é injusta, arrogante e anti-democrática. É injusta, porque impede os cidadãos de fazerem os partidos políticos que entenderem, que é suposto ser em democracia um direito intocável. É injusta, porque nada impede, no limite, um partido de ter cem militantes e cem mil votos por exemplo. É arrogante, porque demonstra que os partidos instalados se auto-atribuem a exclusividade do direito a existir, julgando que estão possuídos, para a eternidade, de uma espécie de direito vitalício à cadeira parlamentar. E é anti-democrática porque na prática impedem a livre concorrência partidária.
Julgo que é mesmo disto que eles têm medo. De perder o lugar. E, consequentemente, o subsídio.
(publicado na edição de hoje do Semanário)
Os partidos instalados com alvará no Orçamento do Estado, com licença da entidade reguladora do sistema, aprovaram uma lei que diz que para um partido existir tem de ter pelo menos 5.000 inscritos. Obesos de tantos negócios, resta-lhes a sobremesa de proibir a concorrência fora do prato de lentilhas onde se empanturram.
São miniaturas de Chavez, disfarçados de democratas. Aquele corta a licença às televisões e o papel aos jornais. Estes, que dominam já as televisões com licença, querem cortar o pio a quem pode chamar os bois pelos nomes. Bem os compreendo.
Através de um Tribunal Constitucional anacrónico e ao serviço de uma espécie de estalinismo legal, os partidos do Orçamento tratam de vidinha. Os partidos do Orçamento violam as leis que eles próprios produzem, mas querem obrigar os que não fazem as leis a cumpri-las.
(publicado na edição de hoje do Democracia Liberal)