À hora a que escrevo não sei ainda se o camionistão vai acabar com o acordo entre a ANTRAM e o Governo, ou se vai continuar. Quando os leitores lerem esta prosa já José Sócrates terá falado no debate quinzenal sobre a crise dos combustíveis. Discorro, por isso, sem essa informação e com as quatro impressões dos primeiros dias de camionistão.
Primeira: o Governo deixou arrastar a crise, deixou avolumar a contestação, e reagiu tarde e más horas. Já com o país bloqueado, sem combustíveis nas bombas, com falta de alimentos, e com um indecoroso espectáculo de violência e de ilegalidade. O Governo revelou fraqueza e incapacidade. Permitiu que uma espécie de milícias populares fizessem do Estado refém de um grupo que violou Lei em geral e o Código Penal
Segunda: o mesmo espectáculo de violência e ilegalidade mostrou que o Estado de Direito está à mercê de qualquer grupo minimamente organizado e que as autoridades não são capazes de assegurar a lei e a ordem pública. Perante piquetes ilegais, que sequestraram, apedrejaram, impediram a circulação, bloquearam e violaram o direito à liberdade de circulação, a polícia assistiu, o Governo fez comunicados e o país sentou-se boquiaberto à frente das televisões. Atitude radicalmente oposta tiveram, perante idênticos protestos, as autoridades espanholas, que detiveram pessoas para desimpedir estradas, não contemporizando com a ilegalidade. O PS ainda deve ter a consciência pesada do triste espectáculo que deu durante o célebre buzinão da ponte em que se colocou ao lado das pessoas que na altura desempenharam o papel dos camionistas de hoje. E, no Governo, está tolhido no exercício da legítima autoridade, sendo incapaz de manter a ordem.
Terceira: o Governo tem adiado o mais que pode uma resposta à crise dos combustíveis, que está na origem dos protestos. É verdade que muito provavelmente a nossa vida não voltará a ser como dantes, que muito provavelmente os preços do petróleo jamais regressarão aos níveis de antigamente e que os hábitos vão ter de mudar. Mas também não tenho dúvidas que o Estado tem de rever profundamente a política fiscal dos combustíveis. O Estado cobra impostos sobre impostos sobre os combustíveis: cobra IVA sobre ISPP. O Governo aumentou o ISPP para sacar mais dinheiro. O Estado está a ganhar receita com a crise, porque os ganhos em IVA, devido ao alargamento da base de incidência, compensam largamente e com vantagem as perdas em ISPP decorrentes da diminuição do consumo. Uma imoralidade que sujeita a economia e os cidadãos a mais sacrifícios do que aqueles que decorrem do aumento do preço do crude na origem. E por que razão é que o Governo mete assim a mão nas nossas carteiras? Porque a despesa do Estado não está controlada, porque o Governo abdicou da reforma da Administração Pública devido à proximidade das eleições, porque o Governo não pode repetir o resultado das cobranças fiscais dos últimos anos e, sendo assim, precisa desesperadamente de receitas para manter o défice controlado.
Quarta: durante os dias da crise, somou-se ao vergonhoso silêncio e flagrante ineptidão do Governo, o silêncio do Presidente da República e dos partidos da oposição. O Bloco e o PCP andaram entretidos com a questão da raça, sendo que os dois últimos grandes protestos sociais ambos ficaram à margem, sendo tão ultrapassados como o Governo. Organizar manifestações no gabinete ao telefone com os sindicatos amigos e com autocarros fretados é uma coisa bem diferente de um verdadeiro protesto social. O PSD e o CDS estiveram ausentes em parte incerta, sem um assomo, sem uma palavra, sem uma atitude. Cavaco Silva está a gozar a sua reforma política e não quer incómodos, sobretudo em vista da reeleição. Um cenário deprimente.
O protesto dos camionistas foi suspenso esta madrugada. Violar a lei compensa. Bloquear estradas compensa. Sequestrar pessoas compensa. Impedir os outros de trabalhar compensa. Cometer o crime previsto no artigo 290º do Código Penal compensa. Com Sócrates, quem não chora, não mama. Já assim dizia um célebre secretário de Estado, perdão, ajudante, de Cavaco Silva. Está aberto o caminho para outros grupos sociais obterem privilégios do Estado. Por mim, também não me importava de deduzir fiscalmente o gasóleo que utilizo para fins profissionais. Como também não me importava de passar a viajar de noite nas auto-estradas para pagar menos portagem. Mas comigo Sócrates tem sorte: não estou disposto a cometer crimes para o conseguir. Aposto até que, comigo, a polícia seria rápida e pronta.
Ao início da tarde, representantes da comissão organizadora do protesto abandonaram o edifício, anunciando que iriam comunicar aos piquetes de greve a proposta de Governo, remetendo uma decisão para as próximas horas. O ministro está piquetado, à espera da decisão dos piquetes para falar ao país. E assim vamos, sem combustível nas bombas e sem Governo em S. Bento.
Já imaginaram o que aconteceria se esta crise do camionistão ocorresse no Governo de Pedro Santana Lopes? Havia de ser bonito o que se diria. E o que Sampaio faria.
Polícia impõe a ordem e faz detenções no Marquês de Pombal, devido a abusos de pessoas que comemoram a vitória da selecção. No Marquês de Pombal há polícia. Nos piquetes de camionistas não há. No Marquês é mais fácil fingir que existe ordem pública.
"El ministerio del Interior confirma la detención de al menos 51 transportistas en la huelga". Em Espanha há polícia.
Lisboa já está sem gasóleo. O Aeroporto já suspendeu o abastecimento dos aviões. Sucedem-se os actos ilegais de intimidação por todo o país. Alguns camiões circulam sob forte escolta policial pelas estradas do país, como se estivéssemos num país de salteadores. O camionistão é o teste político, económico e social mais forte que José Sócrates enfrenta desde que chegou ao Governo.
Perante a persistência do camionistão, o ministro Rui Pereira diz que todas as medidas serão tomadas para cumprir a lei. Patético. O país tem visto toda a sorte de ilegalidades e crimes desfilar perante os seus olhos e a passividade do Governo. E o camionistão promete continuar. Com os mesmos piquetes e as mesmas ilegalidades. O ministro, claro, fará cumprir a lei. Só lhe faltou dizer qual lei. Se a do Estado, se a da rua.
Depois das repetidas violações da lei a que o país, atónito, tem assistido nos últimos dias, que culminaram no bloqueio do camionistão, acaba de acontecer o que ninguém queria, mas muitos ajudaram a provocar. Um homem que participava no piquete de camionistas em protesto contra o aumento dos combustíveis na zona de Zibreira, concelho de Alcanena, foi hoje atropelado mortalmente por um camião que tentava furar o bloqueio. O Governo, onde pontificam apoiantes e activistas do bloqueio da ponte nos dias de agonia do cavaquismo, demitiu-se de garantir a ordem pública. O resultado aí está.
Acabo de ver o ministro da Ota na televisão a dizer que não cede a pressões, devido ao camionistão. Tradução: camionistão igual a buzinão do socratismo. Tradução: ministro da Ota igual a ministro que conseguiu cumprir a sua palavra e construiu um aeroporto na Ota. Entretanto, a violência está na rua, num espectáculo terceiro-mundista de coacção e violência em relação a quem quer trabalhar. Faz-me lembrar o poder popular de 1975 e as célebres barricadas onde os energúmenos de ocasião mandavam parar carros e os revistavam.
Amanhã é feriado. Faz favor não incomodar Suas Excelencias com maçadas. O país está quase em ruptura com o protesto dos camionistas, a distribuição de produtos alimentares está em risco, como se já não bastasse a alta dos preços, não tarda não há combustíveis para abastecer nas bombas, mas as conversas seguem 4ª feira. Não se macem. Há tempo.
(Foto)
O protesto de hoje dos camionistas não tem recebido o apoio generalizado da classe e muitos dos veículos pesados são obrigados a parar junto às bermas das estradas e no interior das empresas contra a vontade dos seus motoristas. Sem questionar o direito à manifestação dos camionistas, entendo que o Estado não pode ser cúmplice do impedimento do exercício da liberdade de circulação relativamente aos camionistas que não querem participar no protesto. Da mesma forma que não entendo como é que o Estado tolera o abuso de poder praticado recorrentemente pelos tenebrosos piquetes de greve, que mais não fazem do que impedir ilegitimamente o exercício do direito ao trabalho pelos trabalhadores que não querem fazer greve. Defendo mesmo que a lei seja alterada e se acabe com estes piquetes. Como? Revogando o artigo 594º do Código do Trabalho.
(publicado no Camara de Comuns)
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