1. O maior partido português tem actualmente 3.678.536 militantes e é incapaz de gerar uma solução de Governo. É o Partido da Abstenção. Portugal será, assim, governado pelo segundo maior partido, o PS, que representa actualmente 21,75% dos eleitores recenseados. Este resultado significa, deveriam todos os partidos e instituições políticas da República assumirem-no, uma pesada derrota da democracia. Duvido que o façam. O Partido da Abstenção não tem porta-voz nem vai à televisão. Muito menos é susceptível de ser convidado para a novíssima liturgia dos Gato Fedorento. Não existe, portanto. Cá vamos, pois, votando e rindo.
2. Finalmente Cavaco Silva falou ao país. O Presidente não se dá nada bem com as comunicações das 20 horas para os telejornais. Já com o problema dos Açores, tendo razão na substância, não acertou no método. Voltou a acontecer. O que mais enerva
3. Quanto à questão de fundo, o que há a dizer é que nenhuma democracia saudável pode viver em estado de suspeição permanente sobre a segurança e a privacidade das comunicações, sejam elas electrónicas, telefónicas ou postais. Mas é nesse estado que vivemos, aparentemente para sossego das esquerdas, outrora tão reactivas a tudo quanto fosse suspeita de violação de direitos fundamentais dos cidadãos e hoje tão domesticadas. E este estado de suspeição não se resolve com mezinhas nem com jogos de sombras. Ele resulta de um sistema que está em vigor e que foi construído pelo PS, pelo PSD e pelo CDS, relativamente ao modelo de serviços de informações, sua orgânica e funcionamento. Nunca, como desde que José Sócrates chegou ao poder este tema tem estado tão presente na agenda política… por que será? Ah, sim, as campanhas negras, claro…
4. Soube-se também esta semana que o Ministério Público decidiu fazer buscas a quatro escritórios de advogados, ao que se diz, à procura de um contrato do … Estado! Três anos depois, o Ministério Público decidiu que é importante ler um contrato do Estado de compra de submarinos. Três anos. E decide procurar esse contrato nos escritórios dos advogados? É estranho. É suposto haver arquivos nos ministérios. Terá procurado no Estado e o contrato desapareceu das prateleiras do Estado? Alguém o levou para casa (não era a primeira vez que desapareciam documentos de Estado dos ministérios para casa de ministros…)? Se não fosse grave seria cómico. Por vezes temos a sensação que alguém anda a brincar com assuntos sérios. A brincar demais. Simultaneamente, a Associação Sindical dos Juízes declarou publicamente a sua perda de confiança no Conselho Superior de Magistratura. Na Justiça, isto é mais ou menos a mesma coisa que o conflito aberto entre Cavaco e Sócrates. Mas a Justiça no fundo reflecte o estado de degradação geral em que as instituições se encontram.
5. Não admira, por tudo, que o Partido vencedor das eleições tenha crescido tanto.
(publicado na edição de hoje do Semanário)
A maior abstenção de sempre em eleições legislativas. É bem feito. É mau para a democracia, mas o sistema merece. Assim como assim, apoosto que ninguém se preocupará muito com isso.
Depois das eleições de Domingo todos voltámos a ouvir os lugares comuns do costume sobre a abstenção, sobre a necessidade de votar e o Presidente da República aproveitou até o 10 de Junho, data em que se comemora Portugal, em que se comemora Camões e em que se comemoram as Comunidades para fazer mais um apelo à participação dos portugueses nas eleições. Mas de uma maneira geral parece que ninguém está interessado em analisar as causas da doença, limitando-se a proferir frases mais ou menos imaginativas sobre os sintomas.
Ninguém pára para pensar na falta de legitimidade e de representatividade das instituições europeias, que hoje resultam de complicados cozinhados políticos propositadamente feitos em linguagem esotérica para ninguém perceber. Ninguém parece interessado, e falo dos protagonistas políticos que exercem funções de representação nos órgãos de soberania cá dentro e nas instituições europeias em Bruxelas em arrepiar caminho e ouvir o povo. Ouvir o povo, precisamente uma coisa de somenos para esta Europa cada vez menos próxima dos cidadãos, cada vez mais imperceptível pelo comum dos mortais.
Limito-me, assim, a deixar falar por mim quem certamente fala melhor do que eu. O discurso de António Barreto (parecia até adivinhar o discurso que vinha a seguir e a repetição das tais frases feitas sobre a abstenção…) no 10 de Junho devia ser o programa da República para sair da crise. Duvido que alguém se atreva.
“Mais do que tudo, os portugueses precisam de exemplo. Exemplo dos seus maiores e dos seus melhores. O exemplo dos seus heróis, mas também dos seus dirigentes. Dos afortunados, cujas responsabilidades deveriam ultrapassar os limites da sua fortuna. Dos sabedores, cuja primeira preocupação deveria ser a de divulgar o seu saber. Dos poderosos, que deveriam olhar mais para quem lhes deu o poder. Dos que têm mais responsabilidades, cujo "ethos" deveria ser o de servir.
Dê-se o exemplo e esse gesto será fértil! Não vale a pena, para usar uma frase feita, dar "sinais de esperança" ou "mensagens de confiança". Quem assim age, tem apenas a fórmula e a retórica. Dê-se o exemplo de um poder firme, mas flexível, e a democracia melhorará. Dê-se o exemplo de honestidade e verdade, e a corrupção diminuirá. Dê-se o exemplo de tratamento humano e justo e a crispação reduzir-se-á. Dê-se o exemplo de trabalho, de poupança e de investimento e a economia sentirá os seus efeitos.
Políticos, empresários, sindicalistas e funcionários: tenham consciência de que, em tempos de excesso de informação e de propaganda, as vossas palavras são cada vez mais vazias e inúteis e de que o vosso exemplo é cada vez mais decisivo. Se tiverem consideração por quem trabalha, poderão melhor atravessar as crises. Se forem verdadeiros, serão respeitados, mesmo em tempos difíceis.”
A isto chama-se, em bom português, tocar na ferida.
(publicado na edição de 12 de Junho de 2009 do Diário de Aveiro)
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