Sexta-feira, 18 de Julho de 2008

O Estado não prevê nem governa. Remedeia e só põe trancas à porta depois da casa arrombada. De vez em quando o país percebe que vive num barril de pólvora. Acorda-se um dia e descobre-se que existem 1,4 milhões de armas ilegais, muitas delas de guerra. Nos últimos tempos, a criminalidade refinou. Ao famigerado “carjacking” juntou-se o tiroteio a céu aberto entre grupos e homicídios à siciliana. Só depois chega a polícia, só depois o Governo descobre que há que tomar medidas, só depois a oposição decide chamar os ministros ao Parlamento.

 

 

Nos idos de 1996, era eu deputado do Partido Popular por Lisboa, tive ocasião de ter uma reunião com Demétrio Alves, então presidente da Câmara de Loures, em que critiquei o erro que estava a ser cometido em Loures em matéria de realojamento e de bairros sociais. Estava então em voga um gravíssimo problema na Quinta do Mocho, onde a polícia na altura me garantia que não entrava pela simples razão que não sabia o que ia encontrar. Havia certamente armas, havia disparos nocturnos, havia mortos, mas não havia funerais, havia esgotos a escorrer pelas paredes dos prédios com a construção embargada mas que haviam sido invadidos por imigrantes que trabalhavam nas obras da Expo e que até na caixa dos elevadores tinham conseguido atamancar simulações de habitação.

 

 

O medo e insegurança sentido por moradores da Quinta da Fonte foi sinalizado há mais de um ano num estudo do Observatório da Imigração, que alertava para a necessidade de intervir num bairro que se tornou «um monstro de problemas».

Construído há 14 anos para realojar no máximo 130 famílias, a Quinta da Fonte, em Loures, acolhe mais de 500 famílias oriundas de bairros de barracas com graves problemas sociais e económicos. A maioria dos moradores realojados é de etnia cigana ou imigrantes africanos.

«O bairro aparece como tendo de facto muitos problemas, nomeadamente insegurança, carências económicas e sociais das famílias e jovens e vários conflitos de vizinhança» é uma das conclusões do estudo do Observatório da Imigração divulgado em Março do ano passado.

Segundo os investigadores da Universidade Católica de Lisboa, a ideia de insegurança aparece associada ao «insuficiente policiamento face à criminalidade verificada e a alguns conflitos de vizinhança».

O estudo alertou para a existência de pequenos conflitos e necessidade de as autoridades actuarem no bairro, uma vez que «os riscos de agravamento das condutas desviantes, dos conflitos e da criminalidade grupal são significativos e requerem o desenho de estratégias preventivas e a sua implementação». Outro dos «factores gerador de conflitos e tensões» detectados pelos investigadores prendia-se com a «dimensão excessiva do bairro».

O realojamento foi feito de forma atabalhoada ignorando as preferências dos novos moradores e sem «ponderar a questão de colocar pessoas com diferentes culturas e modos de estar a viver no mesmo prédio».

O estudo revela também que responsáveis autárquicos admitiam que tinha havido «a necessidade de inserir as pessoas em casa o mais rapidamente possível». Resultado: hoje «não há um prédio só de ciganos ou só de africanos, há uma junção das pessoas" e isso causa muitos problemas de vizinhança».O realojamento transformou a Quinta da Fonte «num barril de pólvora e foco de constantes conflitos e tensões».

Num bairro onde não existem creches nem centros de actividades de tempos livres, é na rua que os mais novos passam o tempo enquanto os pais estão a trabalhar. A rua substitui a família, o que coloca a população juvenil numa situação de risco. Há elevadas taxas de insucesso, abandono e desqualificação escolar dos jovens do bairro, o que contribui para a potenciação de conflitos e tensões. Trata-se de um “gueto”, geograficamente afastado do centro da freguesia e de um grande centro urbano, impedindo a socialização dos mais jovens com outros espaços que não o universo concentracionário onde moram.

«Se não se combater a estigmatização de espaços e grupos, reforçar as medidas de segurança preventiva e melhorar os processos de sociabilização existentes através de acções interinstitucionais que possibilitem o acompanhamento dos jovens e das famílias desde idades muito precoces, existem riscos não negligenciáveis de generalização e aumento da frequência do vandalismo e dos conflitos», conclui o estudo.

«Adicionalmente, a falta de acompanhamento e de apresentação de alternativas para os jovens acabará, inevitavelmente, por conduzir alguns destes à criminalidade adulta, necessariamente mais grave e violenta».

Intitulado «Espaços e Expressões de Conflito e Tensão entre Autóctones, Minorias Migrantes e Não Migrantes na Área Metropolitana de Lisboa», o estudo foi coordenado por Jorge Macaísta Malheiros e Manuela Mendes. Está lá tudo o que as autoridades precisavam de saber para fazer alguma coisa antes. Mas não. O Governo não lê relatórios. Numa palavra: quem vier atrás, que feche a porta.

(publicado na edição de hoje do Semanário)



publicado por Jorge Ferreira às 15:54 | link do post | comentar

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