Ontem em Lisboa morreu a Europa sonhada e projectada pelos chamados pais fundadores das Comunidades Europeias. De Gasperi, Schuman e outros perceberam muito bem logo a seguir à II Guerra Mundial que só poderia haver paz duradoura na Europa se os Estados compreendessem os interesses divergentes uns dos outros e fossem tratados em plano de igualdade ao menos formal.
Se bem o perceberam, melhor o fizeram. A nova realidade europeia começou pelo carvão e pelo aço, interesses fundamentais da Alemanha e da França e os tratados consagraram a igualdade dos Estados independentemente do tamanho da terra ou da quantidade das pessoas existentes em cada Estado.
Em Maastricht começou o funeral desse sonho. Foi aí que os Estados começaram a valer nos Tratados mais do que outros. Foi aí que os políticos europeus começaram a construir uma coisa que só existe na cabeça deles, mas não na vida real dos países europeus. Não há nação europeia, não há povo europeu, mas há cada vez mais Estado europeu. E deu problemas. Aliás, continua a dar. Não ver isso é fazer de conta, é viver num mundo completamente divorciado da vida quotidiana dos cidadãos dos Estados.
Ontem em Lisboa, rezou-se a missa do funeral do projecto europeu original e bom, que se começou sabiamente a construir na década de cinquenta e deitou-se o caixão à terra, com pazadas de canetas de prata.
O Tratado que alguns chamam de simplificador, mas que na verdade é mais um tratado complicador, não passa de uma versão travestida da Constituição europeia, derrotada em referendo na Holanda e na França, com outro papel de embrulho e um laçarote de cor diferente. É Giscard d’Estaing e muitos outros políticos intelectualmente honestos que o reconhecem.
Com ele, não é a Europa dos cidadãos, mas sim a Europa federal que avança.
Os 27 estão literalmente transidos de medo político em referendar este Tratado, porque sabem muito bem que ele não passa no voto dos cidadãos dos Estados. E não passa porque esta Europa que alguns iluminados em estado de transe político estão a construir não tem nada a ver com a vontade dos povos. Por isso estão a fazer batota e a preparar o terreno para trair as mais solenes promessas eleitorais de referendar o Tratado.
No Parlamento Europeu, esta semana, Sócrates foi vaiado. Mas a vaia não era só para ele. Era para todos os políticos oportunistas que estão à frente dos 27 Estados da União. Para esquecer este momento negro da Presidência, Sócrates mandou servir um Porto de 1957 na assinatura do Tratado, em Lisboa. Não beberam certamente à saúde da Europa.
(publicado na edição de hoje do Semanário)