O PS e do PSD defenderam ontem que as dúvidas levantadas em relação à lei do tabaco têm como objectivo "lançar a confusão" para "fugir ao cumprimento" da lei, mas estão convictos que a lei será cumprida. O deputado do PSD José Eduardo Martins defendeu que "as dificuldades que estão a ser levantadas têm vindo da parte dos interesses que querem fugir à aplicação da lei". Defendendo que a lei "é clara" e se "aplica a todos os espaços públicos fechados, incluindo os casinos", José Eduardo Martins manifestou-se convicto de que a lei "não será desvirtuada" na sua aplicação. “Se a lei ficar desvirtuada ou for mal aplicada, agiremos", afirmou, rejeitando que haja "dúvidas jurídicas legítimas" mas apenas "interesses que lançam a confusão e criam desinformação sobre a interpretação da lei".
A actividade legiferante do Estado tem várias especificidades indígenas. Leis feitas em cima do joelho, mal pensadas e mal redigidas, que uma vez em vigor revelam o efeito perverso de induzir uma aplicação individual a gosto. É dos livros que uma má lei é pior que nenhuma lei, porque legaliza a arbitrariedade.
A chamada lei do tabaco é o exemplo acabado deste mau costume. E a reacção do PS e do PSD ao fenómeno é exemplarmente paradigmático da cultura legislativa vigente. É evidente que a discussão do problema de fundo que a lei coloca é a mais importante, mas importa hoje chamar a atenção para aspectos que, não sendo de fundo, revelam a degradação do acto legislativo e a descredibilização da lei.
Entre as bizarrias a que temos assistido contam-se estas: a lei não é clara e não esclarece se é ou não aplicável aos casinos. A lei permite várias interpretações sobre as discotecas. Quem interpreta a Lei para resolver estes problemas? Os tribunais? Nã0. O legislador? Não. O Director-Geral de Saúde em conversa com os agentes económicos é que interpreta a lei. A lei obriga a que seja instalado adequado equipamento de ventilação nos estabelecimentos comerciais que optem por dispor de áreas de fumadores. Quais os tipos de equipamento admissíveis? Ninguém sabe. Embora o mesmo Director-Geral já tenha afirmado que ao nível da verdade científica não existe nenhum equipamento de extracção do ar que permita satisfazer os requisitos da lei!
Sou favorável a uma lei sobre o tabaco equilibrada e que componha todos os interesses em conflito. Não a uma lei, mal feita, incumprível e nessa medida hipócrita. Tão hipócrita como o é o Estado, que, sem coragem para decretar a proibição de fumar, continua a usar os fumadores que deseja reprimir em bombos de festa fiscal para efeito de cobrança de impostos sobre o tabaco.
(publicado na edição de hoje do Semanário)