No dia 11 de Outubro encerra-se o exigente ciclo eleitoral de 2009. O país poderá finalmente descansar de tempos de antena, de outdoors, de promessas. Depois das eleições para o Parlamento Europeu de Junho e das eleições para a Assembleia da República de Setembro, realizam-se agora as eleições autárquicas.
O momento político do país não é dos mais propícios para o debate de fundo e a reflexão séria sobre o funcionamento dos mecanismos institucionais da democracia. A situação pantanosa em que mergulhou a política portuguesa, agravada nos últimos dias pelos resultados das eleições legislativas e pelo conflito aberto entre Cavaco Silva e José Sócrates, não deixa espaço para esse tipo de debate político e, sabe-se bem, as campanhas eleitorais servem para tudo menos para discutir ideias. Elas são hoje o terreno privilegiado das agências de comunicação, dos golpes baixos, das discussões sobre os estilos, e, desgraçadamente da exibição das mediocridades em exercício por esse país fora.
Nos mecanismos institucionais da democracia, assumem particular relevância as autarquias locais. E o país precisa de fazer esse debate sobre o futuro das autarquias e o que podem e devem os cidadãos esperar delas. O actual modelo de gestão autárquica está desacreditado e esgotado e a saúde da democracia exige uma reforma das autarquias e dos seus modos de funcionamento.
A campanha em curso promete, aliás, reforçar a caricatura em vez de criar confiança. A tendência é para fazer anedotário do detalhe pitoresco em detrimento da discussão política genuína. O país goza com as rotundas ao domicílio, que, em delírio arquitectónico já vi alguns considerar como património cultural, ri-se do ridículo de alguns cartazes, enoja-se com a promiscuidade dos autarcas com os empreiteiros e fica sem reacção perante a boçalidade dos mecanismos da compra de votos à brasileira, como por exemplo a oferta de bilhetes para ver o Tony Carreira, assim promovido a digno sucessor dos antiquados e ora caídos em desgraça electrodomésticos.
O projecto autárquico fundador da democracia portuguesa já cumpriu, aliás, com relativo mas indiscutível sucesso os seus objectivos iniciais e necessita agora de um novo rumo, de novos objectivos e de uma nova estratégia, o que, evidentemente exige uma nova forma de organização institucional e política.
Nestes trinta e cinco anos de vida “os autarcas afirmaram-se como contratadores de empreiteiros porque o poder central assim o quis. Sem autonomia fiscal ou financeira, sem competências substantivas em áreas como a educação ou a justiça, o seu mandato concentrou-se na construção de infra-estruturas e de equipamentos. O seu sucesso nesta empreitada foi inequívoco: depois de 1976, o saneamento básico, os arruamentos e a electrificação avançaram a um ritmo impressionante, fazendo com que muitos encarassem o poder local como a melhor conquista do 25 de Abril. Com o crescimento económico, a lógica do betão acabaria também por ser aplicada para a obtenção de mais fundos próprios. As licenças de construção tornaram-se a mina de ouro das finanças municipais e foco permanente de conflitos de interesses e de corrupção.”, escreveu esta semana, com inteira propriedade, Manuel Carvalho, no Público.
Hoje, o país está recheado de câmaras municipais endividadas, que reproduzem em miniatura os padecimentos do Estado e da administração central. Os costumes políticos degradaram-se. O clientelismo, a corrupção, o desperdício, a burocracia tomaram conta dos aparelhos administrativos e políticos autárquicos.
A lógica essencial da política autárquica ainda assenta nas construções e obras públicas. Esta lógica tem de ser substituída pela lógica da gestão. De pessoas, de grupos, de recursos. Para isso é necessário descentralizar competências e recursos. Existem bons exemplos de atracção de investimentos, de atracção de empresas, mas são excepções.
E é necessário um novo código de conduta política autárquica. A limitação de mandatos que entrará em vigor nas próximas eleições ajudará. Mas os candidatos bailarinos, que dançam com vários partidos consoante a música eleitoral, os autarcas condenados que reincidem no exercício de novos mandatos, os autarcas suspeitos de beneficiar e prejudicar consoante as vantagens que obtêm, têm de dar lugar a um novo modelo de autarca que restaure a credibilidade perdida.
O país precisa de um poder autárquico forte e credível. Sobretudo em momentos de ruptura social como são os que vivemos, as autarquias têm uma nobre e essencial missão a desempenhar na preservação dos equilíbrios sociais. Mas precisa também de autarcas com uma nova visão estratégica do desenvolvimento. A era do “parque industrial” passou. E, satisfeitas que estão as carências básicas das populações, o poder autárquico ou se reinventa ou se torna uma mera forma de gastar dinheiro dos contribuintes, sem utilidade.
Tudo o que fica dito aplica-se que nem uma luva a Aveiro. É só pôr as legendas com os nomes por baixo de cada frase.
(publicado na edição de hoje do Diário de Aveiro)
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