Há momentos em que se mostra que ideia realmente se tem das coisas. A ideia que o Governo tem da Justiça é muito simplesmente aterradora. Já se sabia que o Governo acha que a justiça deve ser tão cara que impeça os cidadãos de tentar fazer valer os seus direitos nos tribunais, que é o local próprio para o fazer num Estado de Direito. Agora, o Governo instalou, sem um assomo de hesitação nem de vergonha, o Juiz Presidente do Tribunal Central de Instrução Criminal num gabinete de rés-do-chão, protegido por uma vidraça vulgar de Lineu, à vista de quem passa, à mercê de qualquer atentado. Numa palavra: uma brincadeira de mau gosto? Não. Foi verdade.
Carlos Alexandre, esclareça-se quem não sabe, é o juiz de instrução que tem em mãos processos tão irrelevantes como os do BPN, do Freeport do gang do multibanco, entre muitos outros, de que se fala pouco, mas que são tão ou mais sensíveis do que estes.
O ministério da Justiça garantiu que o chamado Campus da Justiça é seguro e que o gabinete até foi escolhido pelo Juiz. O Juiz Carlos Alexandre afirmou que de facto aceitou a localização do gabinete, mas que apenas tinha visto a planta. O mais, ignorava.
Em qualquer país normal seria impossível suceder uma coisa destas. Alguém imagina, por exemplo, estar a passear em Madrid, olhar calmamente para o lado e ver Baltazar Garzon numa espécie de aquário, sentado à secretária, a trabalhar pacatamente no seu gabinete?... Imaginar, até pode imaginar, mas uma coisa é certa: não verá.
Perante isto, qual foi a solução? Arranjar um local de trabalho seguro a um Juiz que já foi ameaçado várias vezes e que vive com segurança pessoal? Isso seria num país normal. Não senhor. A solução foi aplicar uma película na janela que vai impedir ver para o interior do gabinete. Uma película espelhada, daquelas que deixam ver de dentro para fora, mas impedem de ver de fora para dentro.
Vai toda uma política nesta solução. Primeiro: já toda a gente sabe qual é o gabinete do Juiz. Segundo: o regime aplicou a solução correspondente ao seu estado actual. A película espelhada é, verdadeiramente, um estado de espírito do regime. Ver e não ser visto. E com isso se basta, porque ver e não ser visto é um poder superior.
De facto este regime vê-nos a todos de dentro para fora, mas não nos deixa ver nada de fora para dentro. Somos vigiados pelo Estado, mas o Estado não se deixa vigiar. Vivemos rodeados de segredos por todos os lados. Fundações secretas, contratos do Estado com empresas secretos, tudo secreto.
Um pormenor: o trabalhador que instalou a película até foi entrevistado pela televisão. Um primor. Um non sense. Não tarda, participará num reality show, como o homem que aplicou a película no gabinete do juiz.
(publicado na edição de hoje do Semanário)
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