Sexta-feira, 5 de Junho de 2009

“Toda agente estava interessada em nós. Tudo era belo e novo, votávamos resoluções altamente simbólicas que atraíam a atenção dos media. Na verdade, não tínhamos poder nenhum. Hoje, os meus sucessores vivem a situação inversa. O PE trabalha em questões de fundo e tem poder, mas já não atrai as atenções.” Assim se lamentava Simone Weil no Journal du Dimanche, no passado fim de semana, da situação de alheamento e desinteresse que a maioria dos cidadãos nutre pelo Parlamento Europeu, ao ponto de ser crescente a taxa de abstenção nas respectivas eleições, a qual, de resto, em Portugal é superior à da média comunitária.

 

Simone Weil esqueceu-se de dizer o óbvio. Nos primeiros tempos toda a gente percebia e entendia claramente a Europa. Hoje, nenhum percebe e entende, ao ponto de Vital Moreira, esse génio académico da complexidade tratadística, nos considerar a todos excessivamente ignorantes e ineptos para votar sim ou não num referendo a um Tratado.

 

É que a União, entretanto, tornou-se perigosa. Tem muitíssimo mais poder e quanto mais poder tem mais complexa, mais distante dos cidadãos, mais incompreendida e contestada é. Tornou-se uma espécie de pintura abstracta sem significado, sem sentido, sem norte, sem objectivo e sem democracia.

 

A suspensão dos debates quinzenais de José Sócrates na Assembleia da República, uns sopapos numa manifestação da CGTP, os lares de idosos, feiras de queijo, Robin dos Bosques e o Xerife de Nothingam na agricultura, a roubalheira no BPN, as acções de Cavaco Silva na SLN, as cartas de Vítor Constâncio, tudo isto e muitos mais assuntos momentosos constituíram a agenda da campanha eleitoral que ora termina e que, para quem ainda não percebeu, visa eleger deputados portugueses para o Parlamento Europeu.

 

Havia muita coisa que interessava saber da parte de quem se propõe representar, em primeira instância, o seu país, que os elege e, quando vota, lhe dá mandato de confiança da representação política. Daí que a primeira palavra dos candidatos devesse ser sobre como tencionam, se é que tencionam, compatibilizar o interesse da União Europeia com o interesse de Portugal, como imaginam organizar no exercício do seu mandato a conciliação entre a federação europeia e o interesse nacional. Quem deve mandar mais e em que domínios? Para qual das duas comunidades, a nacional e a europeia, vai a sua lealdade política primeira? Defendem mais integração política ou defendem menos, e em que matérias, com que competências, com que custos financeiros?

 

E poderíamos continuar com as decisões instrumentais relativas ao projecto que é suposto terem. São a favor ou contra a recondução do alto funcionário Durão Barroso na Comissão Europeia e para fazer concretamente o quê? São a favor ou contra a entrada do gigante muçulmano turco na União e em caso afirmativo para quando? São a favor ou contra a criação de um exército europeu, abdicando dessa forma da protecção do chapéu de chuva militar norte-americano nas horas de aperto?

 

Havia, pois havia, mas não houve.

 

Os partidos discutiram tudo, menos aquilo sobre que serão chamados a decidir no Parlamento Europeu. Mas, caros leitores, os partidos são inteligentes e sabem o que fazem. Sabem muito bem que uma vez com o lugarzinho garantido e devidamente instalados em Bruxelas e Estrasburgo não terão direito à opinião, muito menos à decisão dessas matérias. Quem decide são os partidos multinacionais e federalistas europeus onde os supostamente portugueses partidos concorrentes ao parlamento Europeu se integram. O Partido Socialista Europeu e o Partido Popular europeu é que mandam. O PS, o PSD e o CDS são meros figurantes para engrossar o número.

 

A verdade é que a maioria dos deputados eleitos cá chegam lá e votam de acordo com os mandamentos das multinacionais partidárias europeias em que se integram. E aí, o PS no PSE e o PSD e o CDS no PPE, riscam pouco ou nada, tendo que se submeter às decisões que outros tomam por eles. É por isso que se explica que os partidos, na campanha que hoje termina, tenham fugido a sete pés de falar de assuntos europeus. Não querem passar pela vergonha de serem confrontados com o que disseram na campanha no momento em que a obediência ditar posição oposta na hora de votar no frio e distante hemiciclo de Estrasburgo.

 

É, pois, justíssimo o desprezo com que são tratados lá fora e o desinteresse com que os eleitores os premeiam nas eleições para o Parlamento Europeu cá dentro. Para combater a abstenção é preciso que sejam os partidos e os candidatos os primeiros a mudar a sua atitude servil na Europa e o seu comportamento político em Portugal. Não é seguro que tenham percebido isso, muito menos que estejam pelos ajustes.

(publicado na edição de hoje do Semanário)

(Foto)

 



publicado por Jorge Ferreira às 10:31 | link do post | comentar

1 comentário:
De MMS a 5 de Junho de 2009 às 12:14
O PS, o PSD, a CDU, o BE e o CDS/PP, são todos profundamente iguais e inúteis em termos europeus. São pequeninos, não no tamanho, mas sim nas ideias. Não tolero uma Ana Gomes que quer tanto provar que Portugal colaborou com a CIA, depois de ter ficado claro que o país sofreria fortes sanções se tal fosse provado. É este tipo de gente, que ultimamente tem demonstrado isso mesmo, sempre mais interessadas nos interesses dos seus partidos do que do país que os portugueses se preparam para votar.
Um chuto nessa gente.
Eu vou votar no MMS.


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JORGE FERREIRA
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