“Toda agente estava interessada
Simone Weil esqueceu-se de dizer o óbvio. Nos primeiros tempos toda a gente percebia e entendia claramente a Europa. Hoje, nenhum percebe e entende, ao ponto de Vital Moreira, esse génio académico da complexidade tratadística, nos considerar a todos excessivamente ignorantes e ineptos para votar sim ou não num referendo a um Tratado.
É que a União, entretanto, tornou-se perigosa. Tem muitíssimo mais poder e quanto mais poder tem mais complexa, mais distante dos cidadãos, mais incompreendida e contestada é. Tornou-se uma espécie de pintura abstracta sem significado, sem sentido, sem norte, sem objectivo e sem democracia.
A suspensão dos debates quinzenais de José Sócrates na Assembleia da República, uns sopapos numa manifestação da CGTP, os lares de idosos, feiras de queijo, Robin dos Bosques e o Xerife de Nothingam na agricultura, a roubalheira no BPN, as acções de Cavaco Silva na SLN, as cartas de Vítor Constâncio, tudo isto e muitos mais assuntos momentosos constituíram a agenda da campanha eleitoral que ora termina e que, para quem ainda não percebeu, visa eleger deputados portugueses para o Parlamento Europeu.
Havia muita coisa que interessava saber da parte de quem se propõe representar, em primeira instância, o seu país, que os elege e, quando vota, lhe dá mandato de confiança da representação política. Daí que a primeira palavra dos candidatos devesse ser sobre como tencionam, se é que tencionam, compatibilizar o interesse da União Europeia com o interesse de Portugal, como imaginam organizar no exercício do seu mandato a conciliação entre a federação europeia e o interesse nacional. Quem deve mandar mais e em que domínios? Para qual das duas comunidades, a nacional e a europeia, vai a sua lealdade política primeira? Defendem mais integração política ou defendem menos, e em que matérias, com que competências, com que custos financeiros?
E poderíamos continuar com as decisões instrumentais relativas ao projecto que é suposto terem. São a favor ou contra a recondução do alto funcionário Durão Barroso na Comissão Europeia e para fazer concretamente o quê? São a favor ou contra a entrada do gigante muçulmano turco na União e em caso afirmativo para quando? São a favor ou contra a criação de um exército europeu, abdicando dessa forma da protecção do chapéu de chuva militar norte-americano nas horas de aperto?
Havia, pois havia, mas não houve.
Os partidos discutiram tudo, menos aquilo sobre que serão chamados a decidir no Parlamento Europeu. Mas, caros leitores, os partidos são inteligentes e sabem o que fazem. Sabem muito bem que uma vez com o lugarzinho garantido e devidamente instalados em Bruxelas e Estrasburgo não terão direito à opinião, muito menos à decisão dessas matérias. Quem decide são os partidos multinacionais e federalistas europeus onde os supostamente portugueses partidos concorrentes ao parlamento Europeu se integram. O Partido Socialista Europeu e o Partido Popular europeu é que mandam. O PS, o PSD e o CDS são meros figurantes para engrossar o número.
A verdade é que a maioria dos deputados eleitos cá chegam lá e votam de acordo com os mandamentos das multinacionais partidárias europeias em que se integram. E aí, o PS no PSE e o PSD e o CDS no PPE, riscam pouco ou nada, tendo que se submeter às decisões que outros tomam por eles. É por isso que se explica que os partidos, na campanha que hoje termina, tenham fugido a sete pés de falar de assuntos europeus. Não querem passar pela vergonha de serem confrontados com o que disseram na campanha no momento em que a obediência ditar posição oposta na hora de votar no frio e distante hemiciclo de Estrasburgo.
É, pois, justíssimo o desprezo com que são tratados lá fora e o desinteresse com que os eleitores os premeiam nas eleições para o Parlamento Europeu cá dentro. Para combater a abstenção é preciso que sejam os partidos e os candidatos os primeiros a mudar a sua atitude servil na Europa e o seu comportamento político
(publicado na edição de hoje do Semanário)
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