O improvável aconteceu. Graças a algumas equívocas palavras de Cavaco Silva e a alguns comentadores de ocasião, como Jorge Sampaio, o tema mais improvável de todos nestes tempos de crise e eleições em que vivemos, a reedição de um bloco central, voltou à agenda do debate público.
A política em democracia convoca a diferença. Pressupõe a concorrência de ideias e de propostas a sufragar pelos eleitores. Essa parte tem um lado desagradável. Às vezes, as pessoas excitam-se e dizem coisas no ardor do combate que descredibilizam os próprios mas por arrasto, a própria democracia. O bloco central é vermos Manuel Pinho e Paulo Rangel a comer farinha Maizena do mesmo prato. Improvável? Nem tanto, nem tanto, como adiante veremos…
Esta lógica de concorrência ideológica e política ainda se torna mais necessária em tempos de crise. Apenas em situações de emergência nacional, como uma catástrofe natural devastadora ou um estado de guerra e de ameaça à independência nacional se deve admitir em democracia uma situação de união nacional partidária.
Existem duas modalidades de bloco central: o partidário e o político. O partidário consiste numa coligação governamental entre o PS e o PSD. O político é o sistema em que temos vivido nos últimos anos, em que PS e PSD repartem entre si, independentemente de estarem no Governo ou na oposição os lugares da administração e das empresas do Estado. Em bloco central, na versão clientelar temos nós vivido.
Nesse sentido, é falso o argumento de que o bloco central partidário traria como consequência uma repartição entre os dois partidos dos lugares de nomeação na administração e nas empresas do Estado. Porque já hoje é assim e, todavia, desde 1985 que não temos bloco central partidário… Digamos que com este seria ainda mais descarada a ocupação.
O debate sobre a constituição de um bloco central beneficia sempre o partido que está na mó de cima, neste caso o PS. Não é inocentemente que têm surgido declarações de apoio a essa solução. Elas visam em última instância transmitir aos eleitores a mensagem de que podem votar à vontade no PS porque a estabilidade está sempre assegurada. E, desta forma, tentar alcançar a improvável reedição da maioria absoluta de Sócrates. Pacheco Pereira percebe isto muito bem e por isso tem escrito tanto sobre o assunto, tentando desmontar a estratégia que está por detrás deste súbito debate.
O problema é que em democracia não há garantias absolutas. Eu até concedo que seja impossível um bloco central entre José Sócrates e Manuela Ferreira leite, como Pedro Santana Lopes afirmou esta semana. Mas todos sabemos que no PSD o mais fácil, quando cheira a poder, é apear o obstáculo. Se o PS ganhar as eleições com maioria relativa e Cavaco Silva e demais forças de bloqueio da renovação da República quiserem um bloco central, será Manuela Ferreira Leite o elo mais fraco.
Nessa circunstância, Manuela Ferreira Leite será substituída como líder do PSD, sem apelo nem agravo. E virá outro salvador que, em nome do sacrossanto interesse nacional e da estabilidade governativa, cometerá o pecado da gula política e se apresentará disposto a comer a farinha do mesmo prato que o PS.
O principal argumento em defesa do bloco central no caso do PS não ter maioria absoluta é o de que a crise vai exigir medidas muito impopulares que exigem uma grande base política de apoio. E costuma dar-se como exemplo o Orçamento de Estado para 2010, supostamente o mais brutal do ciclo da crise, com o pico de falências e desemprego. Também é um argumento falso. Nem PS nem PSD tomaram no passado ou tomarão no futuro as medidas verdadeiramente impopulares que uma resposta eficaz e duradoura à crise exige. Ambos aumentam a despesa pública, ambos combatem o défice pelo lado da receita, ambos aumentam impostos depois de prometer o contrário, ambos têm a mesma concepção do Estado. O passado de ambos garante-nos que estamos livres de reformas a sério. Governem juntos ou separados. O grande problema de governarem juntos é apenas a legitimação política e institucional do bloco central de interesses em que convivem juntos há muitos anos. Sinistro.
(publicado na edição de hoje do Semanário)