Quinta-feira, 30 de Abril de 2009

Este ano os portugueses vão ser chamados a votar por três vezes. A primeira, para elegerem os deputados portugueses ao Parlamento Europeu, a que Portugal tem direito nos termos dos tratados europeus. A segunda, para elegerem os membros das câmaras municipais, metade dos membros das assembleias municipais e os membros das assembleias de freguesia onde não existem plenários de cidadãos eleitores. A terceira, para elegerem 230 deputados à Assembleia da República. Por junto, para elegerem milhares e milhares de cidadãos para o exercício de funções de representação aos mais diversos níveis institucionais e políticos.

 

É, sem dúvida, uma boa ocasião para uma reflexão sobre a utilidade, a função, a realidade e a ficção desses actos nobres da democracia política portuguesa. Será que elegemos mesmo quem pensamos que elegemos quando votamos? Será que elegemos pessoas para funções com utilidade prática? Será que não elegemos gente a mais para o que se trata de fazer durante os respectivos mandatos? Será que não existem eleições escondidas por detrás das eleições formais previstas na Constituição e nas leis? Será que estas eleições devem continuar a fazer-se tal e qual se fazem?

 

1. O biombo europeu.

 

As eleições para o Parlamento europeu, tal qual são actualmente realizadas inserem-se num determinado projecto político de “Euro-Estado” que considero esgotado e inadequado face aos problemas actuais dos Estados, e das sociedades. É corrente ouvirmos os políticos das corridas eleitorais fazer o discurso para consumo interno que para acabar com o mau estar nacional bastaria fazer a célebre reforma da administração pública, corrigindo a celulite do Estado.

 

Infelizmente, não têm razão: hoje, isso já não é suficiente. O processo aceleradíssimo de substituição do Estado pelo “Euro-Estado” determinou, entre outras consequências, que a maioria dos factores de poder jurídico-político já não se encontra na disponibilidade dos eleitores portugueses.

 

Este “Euro-Estado” em formação incorpora em doses elevadas à potência muitos dos piores defeitos que os “Terreiros do Paço” nacionais já revelaram. O modelo que os eurocratas querem à viva força consagrar vive de uma máquina administrativa pesada e centralizadora, um super-Estado planificador, ordenador, intrometido, em que a voz do indivíduo se diluíu na imensidão labiríntica dos corredores da burocracia de Bruxelas.

 

Depois da falência do Estado providencia está em fase de acabamentos a Europa providencia, com o seu funcionalismo, com o seu socialismo, com os seus défices tipicamente intervencionistas, onde cada vez se trabalha mais para entregar tributos do que para criar mais riqueza, investimento e emprego.

 

Esta situação é anterior à crise económica que vivemos, a qual só veio evidenciar ainda mais esta vulnerabilidade, acrescida de alguns outros factores conjunturais.

 

A Europa em que acredito e por que julgo que vale a pena lutar não passa pela ressurreição de soluções sociais mortas ou moribundas, subjugando ainda mais os cidadãos e as sociedades e não sendo fiel ao sonho do pluralismo fundacional do projecto europeu, que sempre entendeu, concebeu e assumiu a Europa como uma democracia de muitas democracias, como unidade de muitas diversidades e não como uma hierarquia de potências ou uma oligarquia de impérios frustrados.

 

Então o que fazer para alterar esta situação e retirar o biombo europeu da nossa frente?.

 

A Europa em que acredito baseia-se nos princípios da cooperação, da colaboração, da partilha, sem a anulação da individualidade própria de cada Estado e a sua indelegável capacidade de decisão sobre os seus interesses. O que tem por consequência que os Governos de cada Estado são os principais e máximos responsáveis pelas políticas que adoptam e pelas decisões que tomam.

 

Há, pois, que conciliar a soberania dos Estados e a representação política que os Estados fazem das Nações europeias com a eficiência europeia, sem que eficiência signifique cada vez menos Estados e cada vez mais Governo europeu.

 

Ao lermos o Tratado de Lisboa, a versão mais actual da Constituição europeia, compreendemos as razões que levam muitos dos seus autores a não desejar discuti-lo e, muito menos, referendá-lo. Têm, afinal, dificuldade em explicar aos cidadãos, as verdadeiras consequências das normas que escrevem de forma, aliás, suficientemente rebuscada para que se possa invocar o argumento da complexidade dos textos para os subtrair ao voto popular. Mas esse é o seu primeiro grande erro. Ao quererem à pressa erguer o seu edifício, falando apenas das vantagens, sem ousarem expor os riscos, as perdas, as alterações substanciais, e concretas, na vida dos Estados e no poder dos seus órgãos políticos, os autores do Tratado matam, porventura sem se dar conta, a própria ideia de Europa. E fazem-no, porque construíram um discurso oficial sobre a Europa que não tem correspondência na prática quotidiana dos grandes Estados, das instituições europeias que estes dominam e da vida dos cidadãos.

 

Primeiro, porque apresentam a Europa como o tio rico que só dá, sem nunca querer nada receber; segundo, porque falam dela como se do paraíso se tratasse, não admitindo falhas ou dúvidas sobre a sua consistência; terceiro, porque se comportam como deuses sentados no Olimpo, olhando do alto dos seus tronos para os pobres e ingratos seres, que nem sempre aceitam as suas sugestões e profecias; quarto, porque se comportam como proprietários do poder político e não como simples mandatários, transitórios, da vontade popular; quinto, porque querendo construir uma nova ilha, símbolo de uma utopia reinventada, se afastam do que é natural e real na vida dos homens, as nações dotadas de poder político próprio e independente; sexto, porque ao confundirem partilha de soberania, com transferência de soberania, enfraquecem a democracia nos Estados sem construir a democracia na Europa; sétimo, porque ao retirarem autoridade e poder aos órgãos dos Estados soberanos fomentam a revolta e a oposição europeias; oitavo, porque ao criarem mais órgãos políticos na União patrocinam o vazio político nos Estados e a desresponsabilização política dos seus governantes; nono, porque ao abrirem caminho para a existência da nacionalidade europeia (o tal “Nós Europeus” dos cartazes do PS…), provocam o ressurgimento dos nacionalismos extremados; e décimo, porque ao quererem unificar e dar tratamento igual, ao que é diferente, afastam os povos da Europa de si próprios, contribuindo para o seu isolamento e desconfiança.

 

Ora, o Parlamento Europeu é uma instituição típica do Estado europeu. Defendo que ele deve deixar de existir e voltar a ser o que já foi, uma assembleia parlamentar, com representantes escolhidos pelos Parlamentos nacionais e não escolhidos por sufrágio directo e universal. Aliás, os elevadíssimos índices de abstenção que se verificam em todos os países nas eleições europeias mostram bem o desinteresse dos cidadãos pela sorte da instituição.

 

Por detrás deste biombo eleitoral europeu está a ideia de que o super-Estado europeu é democrático porque até tem um Parlamento e este até é eleito em eleições semelhantes às que os Estados realizam para os Parlamentos nacionais. Nada mais falso, apesar de nos últimos anos o Parlamento Europeu ter visto os seus poderes paulatinamente aumentados. O Parlamento Europeu é uma instituição comunitária cujos membros são regiamente pagos e que é dominado por dois grandes partidos federalistas, o Partido Socialista Europeu e o Partido Popular Europeu, nos quais se integram o PS, o PSD e o CDS. No caso português, actualmente, mais valia o PS, o PSD e o CDS concorrerem com uma lista única ao Parlamento Europeu. Ninguém perceberia que se trata de três partidos diferentes.

 

Hoje em dia, graças a sucessivas revisões dos Tratados, o Parlamento Europeu tem alguns poderes que interferem com a soberania dos Estados, cujo exercício não obedece à lógica dos interesses nacionais de cada país, mas a lógicas de lobby de interesses e de estratégia dos grandes Estados, cujos partidos dominam por sua vez os dois partidos europeus federalistas. Esta não é uma realidade que os cidadãos tenham presente quando votam, julgando estar a eleger representantes de Portugal, quando, na verdade, estão apenas a dificultar a vida aos interesses de Portugal, sob a atraente capa da democracia representativa. É o biombo a agir.

 

No próximo dia 7 de Junho, repetir-se-á a encenação. Pelos vistos com uma esmagadora abstenção, da qual ninguém parece interessado em retirar consequências políticas.

(publicado na edição de hoje do Semanário)



publicado por Jorge Ferreira às 15:03 | link do post | comentar

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