“Portugal será o primeiro país do mundo em que todas as crianças dos seis aos dez anos terão um computador” para usar nos estabelecimentos de ensino. Esta proclamação foi feita, com a solenidade dos momentos históricos, por José Sócrates, no debate quinzenal desta semana, onde não se encontra um único deputado com coragem para lhe fazer perguntas sobre o alegado caso de corrupção relacionado com o Freeport.
Sobre esta matéria, a doutrina oficial é que com Sócrates “no pasa nada”. Merece confiança institucional. Extraordinários deputados estes da Nação que assim confiam…
Mas pronto: parabéns a Sócrates. Finalmente conseguiu fazer mesmo história. Em homenagem à cultura dominante eu diria: “Prontos, já semos first’s numa cena cóker”. Portugal, o país que vai certamente abrir os telejornais um dia destes com a reportagem da vida do cão de água de Obama, passará também a ser o país em que todos os putos dos seis aos dez anos terão “personal computer” (recomendo mesmo ao Sr. Primeiro-Ministro que passe a usar esta expressão em vez de computador, porque no mundo anglo-saxónico não sabem o que é um computador e assim talvez o Governo consiga vendar mais uns quantos à empresa que os fabrica).
Desde já declaro que acho muito bem e aplaudo Sócrates. Sim, aplaudo convictamente. Não está ao alcance de um qualquer, mas apenas de um predestinado, feito desta envergadura. Mas confesso: é deprimente que tenhamos alcançado objectivo básico tão exuberantemente e não sejamos capazes de ensinar o essencial: ler, escrever e contar. Este, aliás, devia ser o lema simples de um programa de emergência nacional na política de educação. Simples: ler, escrever e contar. E, prolongando o atrevimento de me dirigir ainda ao Sr. Primeiro-Ministro, recomendo-lhe mais: leia as circulares da sua Directora Regional de Educação do Norte e verá como tenho razão quanto ao escrever …
Entendamo-nos: ler português, escrever português e contar os números da tabuada. Estas funções básicas não só não são alcançadas como, pior, ninguém pensa, do alto do Governo ao mais recôndito docente, devam ser alcançadas. Para esta legião de educratas a riqueza inter-poli-super-multi-cultural da língua reside na cacofonia verbal, no surrealismo gráfico e na anarquia de conceitos. Resultado: as crianças, os jovens e posteriormente os adultos vão passando de ano sucessivamente sem terem adquirido as competências básicas. E ninguém acha estranho. Mais uma vez, é ver esse case study da DREN…
Defronto-me pessoalmente com este problema no ensino superior. Por isso, este discurso do “personal computer” enerva-me um bocado. Desde logo, porque mesmo para usar o “personal computer” é preciso conhecer o alfabeto para usar o teclado…
Mas este flagrante tecnocrático com que Sócrates quer conquistar o voto dos pais usando o deslumbramento dos filhos (“têm que dizer isso a alguns adultos que eu conheço”…) é bem o sinal de um Governo falhado, de um ensino falhado e de um país adiado. Paradoxalmente, porque sabemos como pode ser preciosa a utilização das novas tecnologias no mundo de hoje..
Nenhum computador ensina a escrever, a ler, a interpretar uma frase, a raciocinar, a relacionar conceitos. E é justamente isso que quem tenta ensinar alguma coisa à geração do ensino democrático percebe rapidamente que essa geração não sabe fazer. As carinhas dos responsáveis estão penduradas na parede do átrio da 5 de Outubro. Não se esqueçam de pôr lá também a fotografia de Sócrates. Recomendo, perdoe-se-me, mais uma vez, o atrevimento.
(publicado na edição de hoje do Semanário)
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