Se existissem dúvidas, elas foram abundantemente desfeitas no debate quinzenal da Assembleia da República com o Primeiro-Ministro desta semana. José Sócrates é hoje um político acossado, nervoso, vítima da sua própria estratégia no caso Freeport (se é que podia ter outra…) de auto-vitimação permanente e de agitação do espantalho ridiculamente esotérico das campanhas negras e das forças ocultas. Como estão longe os tempos em que o Primeiro-Ministro ia dar um passeio político ao Parlamento de quinze em quinze dias… E disso se ressente obviamente a governação. Não é nada bom para o país, num momento de profunda crise nacional e internacional, ter um Primeiro-Ministro neste estado.
Na verdade, o Governo limita-se hoje a repetir medidas que já anunciou uma, duas, três e mais vezes, desde o ano passado. Sem pudor nem vergonha anunciam-se os mesmos dois mil polícias há vários meses, os mesmos milhões para a crise há vários meses, os mesmos investimentos públicos em escolas, por exemplo, há vários meses. E os polícias não há meio de aparecerem, os milhões não param de crescer e as escolas continuam por arranjar. Parece que o estado de espírito de rendição de Basílio Horta na AICEP é, afinal, o estado de espírito do Governo. Basílio Horta, um centrista repescado pelo situacionismo socialista para o aparelho das nomeações, confessou, afinal de contas, a verdade: "Não sabemos o que havemos de fazer mais".
Só que o problema hoje começa por ser político. É um problema de liderança do Governo. José Sócrates está politicamente diminuído pela acumulação de polémicas e de dúvidas sobre projectos de casas, a sua licenciatura, a falta à palavra dada aos eleitores em várias promessas eleitorais e ao caso Freeport, em que as dúvidas aumentam e as polémicas se reproduzem como coelhos. É um problema de credibilidade que só não vê quem não quer ver. E este problema não se combate a malhar na direita como o lamentável ministro Santos Silva (não ponham as polícias nunca nas mãos deste homem…) sugeriu em socorro do seu chefe.
José Sócrates tem de perceber que não está acima da fiscalização política e do escrutínio público. Se não perceber tem mais é de mudar de vida, porque verdadeiramente a sua arrogância de considerar um insulto qualquer pergunta que se lhe faça sobre essas matérias é insuportável. A uma pergunta de Paulo Rangel no debate mensal sobre os serviços de informações que o Primeiro-ministro tutela aliás directamente assistimos a um descontrolo emocional e político de José Sócrates. Considerou-se insultado. O que diria o Primeiro-Ministro se a Assembleia da República decidisse, como aliás já devia ter feito, realizar um inquérito parlamentar ao caso Freeport? Considerava-se também insultado? Emigrava? Demitia-se? Processava o Parlamento?
Já a oposição ronda, ronda, ronda, mas não fala. O CDS tem à sua conta vários processos com que se entreter. Compreende-se que tenha mais com que se preocupar do que com as suspeições, desde logo políticas, sobre José Sócrates. Quem tem telhados de vidro, lá diz o povo, não atira pedras. Os outros partidos interrogam sobre assuntos laterais sem a coragem de perguntar directamente. O problema é que a oposição também está diminuída politicamente e renunciou ao seu papel de fiscalização a sério e a fundo do poder.
Já no PS convinha que alguém percebesse e tivesse a coragem de vencer o medo e informasse José Sócrates que não é desta forma que vencerá os próximos meses. Já não digo as eleições, cujo resultado considero cada vez mais em aberto, apesar das sondagens e da fraca oposição de Manuela Ferreira Leite. É que como diz o povo “elas não matam mas moem” e começam a aparecer sinais de esgotamento do estilo Sócrates. E o poder em Portugal, como infelizmente se sabe, não se conquista, perde-se, ou melhor, vai-se perdendo.
A insultologia não é ciência que convenha a José Sócrates. Mas mais importante, muito mais, não é ciência que convenha à democracia. Em democracia os políticos são sindicáveis independentemente do poder judicial. São sindicáveis pela comunicação social, pelos outros políticos e pelos cidadãos. Sem que se possam sentir insultados por causa disso. Não o perceber é não aceitar as regras das sociedades democráticas. Mas tenha-se presente que numa sociedade democrática mudam mais depressa os políticos que não aceitam as suas regras do que as sociedades que aprenderam com muito esforço a gostar da democracia.
(publicado na edição de hoje do Semanário)
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