Quarta-feira, 31 de Dezembro de 2008

“Como define a cidade de Tomar?”

 

Corvelo de Sousa: “ … Viveu séculos á sombra do Convento de Cristo que, durante muito tempo, albergou a Ordem de Cristo, uma organização que teve um papel importante nos Descobrimentos, mas que não permitiu que a cidade ou o concelho se modernizassem. Não era permitida a construção de grandes edifícios e a Ordem é que explorava tudo o que era passível de ser explorado: o rio, os moinhos, os açudes. Todas as pessoas eram obrigadas a pagar uma taxa à Ordem.

 

Esta situação afectou o crescimento da cidade?

 

Corvelo de Sousa: “ Isto afectou e afecta de alguma maneira, porque estas situações levam séculos a desaparecer. A iniciativa privada que no fim da Ordem se manifestou, faliu pouco tempo depois, gerando momentos de grande intranquilidade face ao desemprego existente na cidade. Pouco tempo depois surge o Instituto Politécnico de tomar que trouxe um novo ânimo…”.

 

O acidental Presidente da Câmara Municipal de Tomar em exercício deu uma entrevista bizarra a uma estranha publicação de natureza comercial, distribuída encartadamente com a edição de domingo passado do Diário de Notícias, assim do género das revistas de vinhos, relógios, material de escritório e telemóveis nos suplementos dos semanários. Aparentemente, trata-se de publicidade paga, o que, se fôr verdade, coloca desde logo a questão de saber a razão pela qual um município sobreendividado, como é o caso de Tomar, se dispõe a pagar entrevistas do Presidente da Câmara em publicações de publicidade paga.

 

É verdade que hoje talvez não existam razões meramente jornalísticas para entrevistar o Presidente da Câmara. Mas daí até pagar anúncios disfarçados de entrevista vai uma certa distância orçamental e contabilística. E se é verdade, muito interessaria saber quanto custou a entrevista aos contribuintes. É que no tempo da Ordem de Cristo pagavam-se taxas sim, mas certamente por razões bem mais virtuosas do que a propaganda pessoal paga à custa dos contribuintes.

 

Mas o principal problema desta entrevista não é o preço. É o conteúdo. Trata-se de uma entrevista lamentável para quem tem a responsabilidade de gerir e representar o município de Tomar. Corvelo de Sousa desbaratou o único activo da cidade: a história. A entrevista revela um deficiente entendimento do passado e quem não é capaz de perceber o passado pode ter presente, mas não tem seguramente futuro. Bem sei que os tempos vão nervosos para Corvelo de Sousa, dadas as polémicas internas no PSD para a escolha do candidato nas próximas eleições autárquicas. Mas nem isso justifica o cariz desnorteado das afirmações proferidas naquela entrevista.

 

Quer se goste, quer não, Tomar tem duas marcas: Templários e Ordem de Cristo. A verdade é que a cidade e as elites locais convivem mal com essas marcas e revelam agora não perceber o tesouro que têm nas mãos. Qualquer Presidente de Câmara a primeira coisa que tem de perceber é que se Tomar existe, aos Templários e à Ordem de Cristo o deve. Criaram-na e desenvolveram-na. É o seu código genético, o seu principal factor identitário. Corvelo de Sousa vê na Ordem o factor de atraso de Tomar. Eu, pelo contrário, vejo nos autarcas de Tomar o seu factor de atraso. Cada um com as suas manias…

 

Qualquer terra que tenha tido o sortilégio de ter sido bafejada pela classificação dos seus monumentos como património mundial da humanidade faz o que pode e o que não pode para tirar partido disso. Atrai investimento, cria merchandising, desenvolve estratégias de marketing para chamar turismo, o que como se sabe significa actividade económica e riqueza. Em Tomar não, passa-se justamente o inverso. Lamenta-se que a cidade tenha vivido à sombra do Convento. Pois é justamente esse o mal. Tomar vive à sombra mas não é do Convento. É da bananeira. Os seus responsáveis criticam até os malandros que construíram esse património.

 

A primeira obrigação do Presidente da Câmara de Tomar, qualquer que ele seja, é a de rentabilizar os factores diferenciadores do município, no sentido de valorizar a sua história e as suas gentes, potenciar o seu património, dos pontos de vista cultural, económico e social. Para Corvelo de Sousa, não. É dizer mal da herança poderosa que lhe caiu no colo, diga-se de passagem, sem saber ler nem escrever, como diz o povo.

 

Quanto à economia e ao desenvolvimento então nem é bom falar. Basta olhar para a decadência de Tomar no século XXI para perceber que não é certamente ao Infante D. Henrique nem à Ordem de Cristo que se deve esse atraso. Talvez Corvelo de Sousa devesse pôr a mão na sua consciência antes de atirar catapultas para o século XVI acerca desse tema. A Ordem de Cristo explorava o rio, os moinhos e os açudes? Competência dela. A câmara Municipal de Tomar nem umas gaivotas conseguiu pôr no rio porque o concurso para a exploração do negócio ficou deserto! Continua a vantagem a estar do lado do Infante! Cobravam taxas? Pois também a Câmara de Tomar cobra e não é pouco. A água acaba de aumentar 3,1%...

 

Para Corvelo de Sousa a Idade Média não devia ter sido assim. Certo. As ordens militares provavelmente nem deveriam ter existido. Certo. Mas a história não foi assim. E não se pode mudar. Desgraçadamente as Ordens não eram atreitas, ao contrário dos nossos eficazes autarcas, a arranha-céus. Deviam ter sido, mas não foram. Ainda assim, se se medirem bem as coisas, talvez o castelo e o convento sejam ainda hoje dos edifícios mais altos de Tomar… Quanto à economia e ao desenvolvimento, pois bem, as ordens faziam coisas insignificantes. Mas olhem, para espanto geral, as construções que se faziam por obra e graça desses exploradores medievais não padeciam dos defeitos de construção tão populares hoje em dia em pontes, paredões e outros senões das obras municipais feitas pelos contemporâneos…

 

Na mesma edição do Diário de Notícias em que vinha o encarte, o Editorial era sobre Óbidos. Castelo conservado, património conservado, feira medieval à séria, feira do chocolate de projecção internacional, vila Natal onde a criançada faz questão de ir, milhares e milhares de pessoas anualmente a visitarem a terra, a deixarem lá dinheiro, investimento privado de qualidade e, acrescento eu, sem a história, a valia, a arquitectura e o valioso património que Tomar tem. Paradoxos oportunos. Óbidos não tem história, mas tem gestão.

 

Esta entrevista é lamentável. Mostra sobretudo que a geração actual que governa Tomar não está à altura da empreitada. Mas isso é juízo pessoal que pode não contagiar os eleitores. Veremos.

 

(publicado na edição de hoje de O Templário)

(Convento de Cristo)


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publicado por Jorge Ferreira às 12:40 | link do post | comentar

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