Sexta-feira, 19 de Dezembro de 2008

1. Só uma coisa está ainda em estado mais comatoso do que o país: a alegada direita partidária, a direita geométrica, a que por mero acaso das cadeiras que não das ideias se senta à direita do PS no hemiciclo parlamentar, vulgo PSD e CDS.

 

A esquerda aí está pletórica de rua, de ideologia ao vento, de discurso épico pré-isurrecional nalguns casos mais excitados, de forças sociais e políticas a ressuscitar dos Maios domésticos e até de novos partidos anunciados. E isto tudo, com um partido da esquerda no poder.

 

Os velhos comunistas vêem na luta dos professores uma ressurreição high-tech dos delírios diários de 1975, quando era certo que a reacção iria ficar sem dentes ou, no mínimo, iria parar ao Campo Pequeno. Hoje lá está o PCP no Campo Pequeno, qual nova burguesia partidária, e as ruas cheias de contestação.

 

Para cúmulo, é Manuel Alegre que está a surgir como a esperança de tirar a maioria absoluta ao seu ainda partido, através de um novo partido, onde meterá no bolso meio eleitorado do Bloco, outro meio do PCP e mais uns quantos românticos de esquerda que resistem no PS, mas saudosos das cantilenas do padre Fanhais e do Vá-Vá ali à Av. de Roma, versão pré-fast-food.

 

O que é grave é que, se isto continuar assim, o debate político e eleitoral vai ser novamente amputado de correntes de pensamento e alternativa essenciais para o país. Irá centrar-se entre o estatismo, o despesismo, a falta de reformas a sério que o PS representa e as mais anacrónicas, ultrapassadas e derrotadas ideias da história sobre a melhor forma de organizar as sociedades, que serão representadas pelo NPS (Novo Partido Socialista).

 

Tudo o que se ouve nos Fóruns da velhinha e revolucionária Faculdade de Letras de Lisboa, nas tertúlias, nos blogues dessas esquerdas festivaleiras, cheira a mofo, mas surge como se fossem enormes descobertas que nos vão salvar do mercado, o novo diabo, como se o problema da crise financeira não fosse um caso policial e criminal, mas sim um caso de mau funcionamento do mercado.

 

2. E a alegada direita? Por onde andam e o que fazem? Dão luta, têm alternativa, têm líderes e chefes capazes de competir com o PS, com o PCP, com o BE e com o NPS? Não. Acantonaram-se nas feridas, refugiaram-se nas delícias das sinecuras, asseguraram-se nas mordomias das imunidades.

 

De regresso ao passado, pretendem apenas a façanha desnorteada e poucochinha de disputar eleições com a máquina de Sócrates exactamente com as mesmas pessoas que o eleitorado despediu com alívio do Governo em 2005.

 

Pedro Santana Lopes, por quem tenho apreço e respeito pessoal, vai tentar regressar a um sítio onde não teve sequer tempo de ser feliz porque Barroso, ao fugir a sete pés do Governo, não deixou, ou seja à Câmara de Lisboa, onde nos legou ademais um Carmona Rodrigues de triste memória. No mínimo, ao menos, que se redima desse legado.

 

Durão Barroso tem a vidinha tratada à custa dos seus compromissos eleitorais internos. Emigrou, como se fazia nos anos sessenta para ter algum de seu. Vive bem, aparece com os grandes do mundo nas televisões e sem ter certamente os reflexos de George W. Bush para se furtar a sapatadas imprevistas, tem a suficiente sabedoria maoísta para não se deixar enlear em enxurradas. Fala línguas e é mestre no artesanato da sobrevivência e é tudo a quanto aspira. Está-se nas tintas para Portugal até ao dia em que achar que chegou a altura de disputar Belém com Marcelo Rebelo de Sousa. Lá está, ainda há estrelas escritas no firmamento.

 

Manuela Ferreira Leite, a ministra de Estado de Barroso, está como está, sem necessidade de mais explicações.

 

Um verdadeiro serviço patriótico seria se estas pessoas se empenhassem em encontrar uma solução nova, que unisse, motivasse, federasse e não que dilacerasse ainda mais estes dois tristes partidos, que hoje não passam de sombras, de medíocres espectros do que já foram.

 

3. As directas do CDS não passaram de um acto político inútil. Um ritual vazio para distrair incautos. Portas, que atropelou Ribeiro e Castro da forma alarve que se viu, que meteu Conselhos Nacionais com agressões físicas e insultos vários e tudo, para regressar ao sítio de onde ninguém lhe havia pedido para sair (vícios antigos...), até já expulsa Luís Guedes do Congresso (ao que eles chegaram!...).

 

O esquema era perfeito. Luís Guedes e Paulo Portas combinaram a divergência pública estratégica, como forma de animar um Congresso ritual, sem competição eleitoral nem interesse político. Durante dois dias as televisões fariam os animados directos com Guedes e Portas a debater: um show mediático que encheria de gáudio o pequeno comentário político doméstico, atreito às maiores metafísicas sobre este tipo de actuação partidária.

 

Mas havia um problema: para o esquema funcionar e, posteriormente, a dilacerante e emotiva disputa entre amigos ser sanada em animado e frequentado jantar de reconciliação, o que daria mais uns apetitosos directos e provaria a reconciliação entre os conciliados, Guedes tinha de ser eleito. Pequeno senão democrático: são precisos votos. Para isso há que os pedir, coisa que Guedes não gosta de fazer por feitio e Portas não lhe apeteceu fazer por cíume político e irreversível atracção para o abismo. Assim envenenou a sua relação política com Manuel Monteiro. Assim envenenou a sua relação política com Marcelo Rebelo de Sousa (e sem necessidade de sopas quaisquer) e assim envenenou agora a sua relação política com Luís Guedes.

 

O resultado foi um caldo entornado dos grandes. Portas serviu o seu melhor (e único?...) amigo político de bandeja aos ressabiamentos internos, está com um Congresso nas mãos sem saber o que fazer a não ser uns discursos de quatro horas à Fidel Castro e um enormíssimo manto de descrédito, mais um, a somar aos que já carrega às costas.

 

Perguntava-me esta semana uma estação de rádio se eu achava que havia vida no CDS depois de Portas. Respondi que sim, mas que era tão má, tão má, que não a desejaria ao pior dos inimigos.

 

4. Paulo Portas só aguenta a maçada de liderar os destroços de 2005 por que precisa de um seguro judiciário, uma imunidade, que previna sustos próximos, como se leu numa escuta telefónica oportunamente publicada na imprensa.

 

Em dez anos, o balanço de Portas no CDS é notável para um génio: menos militantes, menos eleitores, menos deputados na Assembleia da República, menos deputados no Parlamento Europeu, menos autarcas, mas mais processos de investigação criminal, que foi a herança de Governo deixada pelo CDS.

 

As trapalhadas que o CDS fez no Governo foram tantas, os negócios públicos pouco claros foram tantos, que os ex-governantes do CDS passaram a ser mais conhecidos pelos diminutivos “gate” do nome dos processos de investigação do que pela obra que (não) fizeram. Com uma excepção que é justo assinalar: Celeste Cardona, o maior desastre político que aconteceu à Justiça, mesmo considerando os vindouros José Pedro Aguiar Branco e Alberto Costa, soube prevenir-se e ficará apenas conhecida como o tripé decorativo, embora muitíssimo bem pago pelo Estado dos avales, do bloco central na CGD.

 

Recentemente, à votação do seu próprio projecto de suspensão da avaliação dos professores (proposta já de si substancialmente esquerdista, como outras que a alegada direita tem apresentado), conseguiu o Grupo Parlamentar a proeza de faltar com três dos seus deputados! Bem sei, são apenas dez por cento dos faltosos do PSD, mas são 25% do Grupo. O que pretende este grupito (o que resta do Grupo…) oferecer ao país? Um nicho de decência já os teria remetido à aposentadoria. Um pingo de vergonha já os teria encostado numa travessia do deserto do tamanho do Sahara. Mas não: prometem continuar para gáudio de José Sócrates, que é muito mais esperto do que Portas. Como se verá.

 

5. E o futuro? Futuro, neste estado de coisas, para a alegada direita parlamentar vai ser outro estrondo eleitoral como o de 2005. Muitos vaticinam precoce e temerariamente, aliás, a meu ver, o risco de Sócrates perder a maioria absoluta e precisar de gente de confiança e de carácter como Paulo Portas, para fazer umas limianices estruturais de legislatura.

 

Não tenho por certo que o NPS não reforce a imagem de Sócrates junto do eleitorado como líder de estabilidade para estes tempos de aguçada crise como vão ser por certo os tempos eleitorais de 2009. O espantalho de um tripé de partidos de esquerda a mandar no PS é suficientemente arrepiante para que o eleitorado não se assuste e reaja. E o problema é que olhando para o lado direito de Sócrates o que verá é o que acima se descreve… um filme político hard-core a passar em cinemas de reprise.

 

Razão teve Manuel Monteiro nas declarações públicas que fez esta semana. Inconformado com a ausência de uma alternativa credível à direita, Manuel Monteiro fez um apelo público à convergência, desafiando Luís Guedes, mas também personalidades como José Ribeiro e Castro, João Luís Mota Campos, José Luís Nogueira de Brito, Jaime Nogueira Pinto, Pedro Ferraz da Costa, entre outros, para, "num clima de liberdade", organizarem um Fórum das Direitas.


"Se as esquerdas são capazes de o fazer, seria grave que a direita não o conseguisse. Paulo Portas e o seu partido é um bunker fechado sobre si próprio, de ar viciado, que não permite que alguém respire", disse Manuel Monteiro. E considera mesmo que aquilo que aconteceu com Luís Guedes mostra que o CDS se tornou "num partido de talibans, não de gente livre", concluindo que "o problema da direita é o de estar presa dos pés à cabeça em processos de suspeição e corrupção. Enquanto José Sócrates tiver os seus principais dirigentes nas mãos, eles nunca serão a verdadeira alternativa".

 

Pois não.

(publicado na edição de hoje do Semanário)

(Foto)

 

PS- A repetição da fotografia utilizada na entrada anterior é obviamente intencional. São as duas faces da má moeda em circulação no território político nacional.



publicado por Jorge Ferreira às 00:04 | link do post | comentar

1 comentário:
De Tubarão a 21 de Dezembro de 2008 às 12:32
Artigo que dá gosto ler!
Senhores comentadores da praça desta republica e livres ( parece que ainda existem alguns) leiam e aprendam não vão no jogo do gato e do rato.
Porque como vêem "isto" acabou num circo! Um abraço Jorge Alexandre e até ao café da tarde


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