Terça-feira, 16 de Dezembro de 2008

"Porque é munto fraca a memória na política e nos políticos", aqui deixo um texto de 31 de Janeiro de 2003, altura em que alguns já percebiam o que muitos outros têm percebido nos anos seguintes. E ainda hoje...

 

 

CARTA ABERTA AO CDS

 

 

1.Decidimos deixar o CDS e a razão é muito simples: continuamos a acreditar nos mesmos valores, nas mesmas ideias e nos mesmos pressupostos, que nos levaram um dia a querer intervir politicamente. Mas isso é hoje, na nossa opinião, incompatível com a manutenção neste partido.

 

Estar na Juventude Centrista, organização que nos recebeu quando ainda nem idade para votar tínhamos, depois no CDS e posteriormente no Partido Popular que ajudámos, com empenho e dedicação, a fundar, foi sempre sinónimo para nós de liberdade e diferença. Liberdade face ao sistema instituído e diferença face a uma prática política dominante, com a qual nunca nos quisemos identificar. Teve custos esta atitude!

 

Vimos muitos dos nossos concorrentes saltitarem de posição em posição, para, em nome de uma coerência muito privada, conquistarem o poder a qualquer preço; vimos ainda muitos outros atravessarem a fronteira da dita sociedade civil, para procurarem no mundo da política não os meios de defesa de um mundo melhor, mas apenas as condições para uma promoção social, profissional ou mesmo económica ou até por uma necessidade de imunidade; vimos também ser repetidamente confundida a política dos negócios, com os negócios da política, mas nenhuma destas circunstâncias nos demoveu, do caminho que tínhamos escolhido.

 

Não nos arrependemos! A política é, sempre foi e sempre será, para cada um de nós, um exercício de competição empenhado, mas ao mesmo tempo descomprometido. Empenhado, na medida em que nenhum combate pode ser travado sem ânimo e sem fé, descomprometido porque sendo o poder uma legítima meta a alcançar, ele não é em si mesmo nem o fim da política, nem o fim para aqueles que nela se movimentam. Esgotar a política, toda ela, na pura conquista do poder é resumi-la, uma vez alcançado esse poder, a toda a espécie de compromissos e jogos que conduzam à sua manutenção. Ora, olhando à nossa volta, sabemos ser isso que se passa, razão que leva aos sucessivos aumentos de abstenção e ao crescente desinteresse pela actividade dos políticos e dos partidos.

 

O que é verdade e lei na oposição, torna-se incómodo e esquecido no governo, o que é ponto de honra quando se está de fora do sistema não é mais do que uma questão a remeter para o esquecimento do passado, quando se alcança o poder e se é investido em funções governativas.

 

Acresce a estes factos, que a política perdeu alma, perdeu autenticidade e a crença em ideais foi substituída por um combate publicitário, em que tudo vale desde que útil à vitória.

 

 O Povo, esse desconhecido útil no momento do voto, torna-se então dispensável, sendo  imprescindível que a argumentação da conjuntura, dos meios encontrados e das condições adversas surja torrencial para calar críticas, para apagar reivindicações ou até para abafar perguntas sobre promessas que tardam em ser cumpridas. Tudo em nome do país ou até, para que a pompa seja mais conforme com a indumentária, em nome do Estado, precisamente para que quem ouse discordar sinta o peso da sua imensa responsabilidade.

 

2. Acontece que tendo o CDS chegado ao governo, o panorama não mudou. Um partido que lutou durante anos, ininterruptamente, pela mudança do sistema e pela afirmação livre de princípios políticos que sempre o autonomizaram, simplesmente soçobrou na exacta hora de demonstrar coerência na acção.

 

No plano das ideias políticas, nomeadamente na questão concreta do modelo de evolução da União Europeia, rendeu-se ao modelo do bloco burocrático de Bruxelas. É certo que pode ser conveniente, sob o ponto de vista táctico, que os seus mais empenhados dirigentes, à pressa, apareçam a jurar o contrário, mas a realidade não admite dúvidas. O bloco burocrático de Bruxelas viu aumentar, formalmente, a lista dos seus apoiantes;

 

No plano ideológico, ao nível nacional, quando se esperava que o CDS fosse no governo, a alavanca das verdadeiras mudanças, o que se assiste é tão só a uma acomodação perante o sistema, esquecendo-se que as mudanças não se alcançam pelo anúncio, pela mera propaganda ou pela intenção, mas pela sua efectiva concretização.

 

No plano da prática, face ao Estado e ao seu aparelho, quando se esperava, e até exigia, total diferença, a desilusão não pode ser maior. O CDS entrou no sistema, vive no e do sistema e como se isso não fosse já grave, degladia-se internamente na disputa de lugares e na distribuição de postos políticos.

 

Por último, no plano interno o CDS deixou de ser um espaço de liberdade. A democracia interna funciona apenas quando se está de acordo com a Direcção. Perseguem-se militantes disciplinarmente por delito de opinião. O CDS é hoje um partido que pratica dentro de casa o contrário do que defende para o Estado e para os outros.

 

Eis pois o cenário em que se realizará o próximo Congresso, ou melhor dizendo, a festa comício para aclamar o poder, só o poder, nada mais do que o poder.

 

Respeitamos que assim seja. A liberdade de que não abdicamos para discordar e sair é a mesma que assiste a quem desta forma hoje dirige o partido, e nele assim quer estar e continuar.

 

Registamos apenas que o espaço político que existe no país para a diferença deixou de existir e de estar no CDS.

 

Só que para nós esta hora chegou ao fim e é tempo de partir. Somos movidos pela mesma fé, pela mesma vontade, pela mesma coragem, pela mesma determinação com que lutámos no Partido Popular. Não prescindimos de lutar por Portugal, defendendo para ele e para quantos nele queiram viver, os ideais de Liberdade e de Justiça que orientam as nossas mais firmes convicções. Não cedemos, não recuamos, não desistimos. E por isso mesmo não confundimos os meios ou os instrumentos, com a própria ideia que temos da actividade política. É que enquanto para uns a política serve os Partidos, para nós os partidos estão ao serviço da Política.

 

Só assim vale a pena e porque assim é queremos começar já hoje a construir um novo futuro.

 

Lisboa, 31 de Janeiro de 2003  

 

 

Francisco Peixoto

Gonçalo Ribeiro da Costa

Jorge Ferreira

Nuno Correia da Silva

 


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publicado por Jorge Ferreira às 12:09 | link do post | comentar

1 comentário:
De Nuno Gaspar a 16 de Dezembro de 2008 às 20:12
O outro dia almocei numa mesa ao lado da sua, num restaurante em Abrantes. Se na altura soubesse que tinha escrito este texto tinha-o cumprimentado com entusiasmo. É de exemplos de dignidade e rectidão como este que o país precisa. Nem tudo está perdido.


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JORGE FERREIRA
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