Sexta-feira, 16 de Fevereiro de 2007
O país começa a ficar cansado de si próprio. Isto é: doentiamente queixa-se de forma recorrente das escolhas eleitorais que faz e que não faz. Parece comprazer-se num exercício de auto flagelação quando faz, isto é, quando vota. Assobia olimpicamente para o lado das canseiras quotidianas quando não faz, isto é, quando se abstém.

Vai ao arrepio do politicamente correcto estabelecido desde o último domingo considerar preocupante que mais de cinco milhões de portugueses não se tenham dado ao trabalho de votar no último referendo. Os optimistas do sistema proclamam que está tudo bem, que houve mais gente a votar, que houve mobilização cívica. E que o instituto do referendo está a salvo de tentativas de homicídio legislativo por parte de uma nomencaltura institucional que no fundo detesta a maçada

Eu contraponho que não vejo motivo para tanta celebração, a não ser salvar a pele do que está e dos que estão. Assim como uma espécie de suspiro institucional por o pior ter passado sem que o barco fosse ao fundo, apesar de seriamente danificado. A verdade é que votou menos gente do que no referendo sobre a regionalização. A verdade é que votou tanta gente como nas eleições europeias e aí todos consideram um péssimo sinal tanta abstenção. E que a mobilização mediática no debate, no esclarecimento e no acompanhamento da campanha foi suficientemente intenso para mobilizar os cidadãos, pelo que não há desculpas para o alheamento de mais de cinco milhões de recenseados, entre os quais se continuam a encontrar inúmeros falecidos que o plano tecnológico e o MIT ainda não foram capazes de eliminar dos cadernos eleitorais.

O problema está na indiferença cívica. A cidadania está em baixo, está fora de moda.

Por princípio e convicção repugna-me a ideia do voto obrigatório e da penalização dos abstencionistas. Repugna-me tanto como a prosápia lusitana de café, o peito aberto às balas na roda de amigos, a crítica intriguista e em surdina a que sucede a abstenção eleitoral e a deserção da democracia. Aliás, se houvesse voto obrigatório temo pela inconsequência da sanção, já que é de prever que o ilícito prescrevesse antes de sancionado, dada a ineficácia dos sistemas judiciário e administrativo.

Não será, pois, de admirar que o país, a bem dizer um quarto dos eleitores, que votou sim no referendo, esteja daqui a uns meses a vituperar a esquerda quando constatar que o aborto clandestino não acabou como José Sócrates prometeu que ia acabar se ganhasse o Sim. Nada de novo no que diz respeito a Sócrates, que costuma falhar as promessas. Nada de novo em relação ao país, que passa a vida a queixar-se das suas próprias decisões. Digam-me sinceramente: onde é que está alguma modernidade nisto?
(publicado na edição de hoje do Semanário)


publicado por Jorge Ferreira às 01:12 | link do post | comentar

JORGE FERREIRA
Novembro 2009
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4
5
6
7

8
9

20
21

22
23
24
25
26
27
28

29
30


ARQUIVOS

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

Abril 2009

Março 2009

Fevereiro 2009

Janeiro 2009

Dezembro 2008

Novembro 2008

Outubro 2008

Setembro 2008

Agosto 2008

Julho 2008

Junho 2008

Maio 2008

Abril 2008

Março 2008

Fevereiro 2008

Janeiro 2008

Dezembro 2007

Novembro 2007

Outubro 2007

Setembro 2007

Agosto 2007

Julho 2007

Junho 2007

Maio 2007

Abril 2007

Março 2007

Fevereiro 2007

Janeiro 2007

Dezembro 2006

subscrever feeds
tags

efemérides(867)

borda d'água(850)

blogues(777)

josé sócrates(537)

ps(339)

psd(221)

cavaco silva(199)

pessoal(182)

justiça(180)

educação(150)

comunicação social(139)

política(137)

cds(126)

crise(121)

desporto(120)

cml(116)

futebol(111)

homónimos(110)

benfica(109)

governo(106)

união europeia(105)

corrupção(96)

freeport de alcochete(96)

pcp(93)

legislativas 2009(77)

direito(71)

nova democracia(70)

economia(68)

estado(66)

portugal(66)

livros(62)

aborto(60)

aveiro(60)

ota(59)

impostos(58)

bancos(55)

luís filipe menezes(55)

referendo europeu(54)

bloco de esquerda(51)

madeira(51)

manuela ferreira leite(51)

assembleia da república(50)

tomar(49)

ministério público(48)

europeias 2009(47)

autárquicas 2009(45)

pessoas(45)

tabaco(44)

paulo portas(43)

sindicatos(41)

despesa pública(40)

criminalidade(38)

eua(38)

santana lopes(38)

debate mensal(37)

lisboa(35)

tvnet(35)

farc(33)

mário lino(33)

teixeira dos santos(33)

financiamento partidário(32)

manuel monteiro(32)

marques mendes(30)

polícias(30)

bloco central(29)

partidos políticos(29)

alberto joão jardim(28)

autarquias(28)

orçamento do estado(28)

vital moreira(28)

sociedade(27)

terrorismo(27)

antónio costa(26)

universidade independente(26)

durão barroso(25)

homossexuais(25)

inquéritos parlamentares(25)

irlanda(25)

esquerda(24)

f. c. porto(24)

manuel alegre(24)

carmona rodrigues(23)

desemprego(23)

direita(23)

elites de portugal(23)

natal(23)

referendo(23)

apito dourado(22)

recordar é viver(22)

banco de portugal(21)

combustíveis(21)

música(21)

pinto monteiro(21)

bcp(20)

constituição(20)

liberdade(20)

saúde(19)

augusto santos silva(18)

cia(18)

luís amado(18)

todas as tags