Sexta-feira, 13 de Fevereiro de 2009
Os Estados e as sociedades têm uma relação equívoca e interesseira com os vícios. Proíbem certos vícios, criminalizam outros e permitem uns quantos. Frequentemente têm um discurso moralista quanto a alguns vícios, dos quais não se inibem de extrair as maiores vantagens fiscais e económicas que podem.

O Estado português, por exemplo, seguindo o politicamente correcto vigente, decidiu empreender uma cruzada anti-tabágica com a aprovação de uma lei restritiva relativamente ao consumo de tabaco em locais públicos. A lei é tão restritiva que nem o Primeiro-Ministro resistiu à sua própria lei e foi apanhado a fumar o seu cigarrito num avião, o que é proibido.

No âmbito desta cruzada, estava previsto um aumento de 15% ao ano no imposto sobre o tabaco até 2009. Mas no último ano da legislatura o plano não será cumprido. O contrabando, a falsificação, a diminuição abrupta do consumo em Portugal e as fracas receitas fiscais fizeram o Governo abandonar a meio o seu plano de aumento acentuado do imposto sobre o tabaco lançado em 2005 e que deveria durar até ao final do presente ano.

 
No Orçamento do Estado, leia-se, no primeiro Orçamento de Estado para este ano, o Governo decidiu proceder a uma actualização do imposto de apenas 1,4%, ou seja, abaixo da inflação prevista e que leva a um acréscimo de menos de dois cêntimos por cada maço de tabaco. Entre 2006 e 2008, as subidas do imposto sobre o tabaco tinham sido, sempre, superiores a 10%, aproximando-se daquilo que tinha sido planeado pelo Governo socialista assim que tomou posse.

No Programa de Estabilidade e Crescimento publicado em Junho de 2005, o Executivo previa "uma subida nominal média do imposto arrecadado por maço de tabaco de 15% em cada ano de 2006 a 2009". A ideia, lia-se no documento, era "ajudar a financiar as pressões estruturais no sentido do crescimento da despesa no sector da saúde".

 
 
Entre 2006 e 2008, embora nunca atingindo o objectivo delineado, o imposto cobrado sobre cada maço de tabaco subiu a um ritmo elevado, um facto sentido por todos os consumidores de tabaco. Mas, chegados ao último ano da legislatura, o Governo optou por não levar a estratégia até ao fim.

O Ministério das Finanças justificou esta mudança de política da seguinte forma: "Não fomentar o contrabando e a contrafacção, não fomentar o desvio de compras para Espanha e manter a base tributável em Portugal, de forma a evitar o efeito da curva descendente de Laffer." Esta curva é usada, na ciência económica, para mostrar que uma subida das taxas de um imposto pode, a partir de determinado ponto, não resultar num aumento da receita. Isto é, o Governo está agora convencido de que, se voltar a subir o imposto sobre o tabaco, a receita não vai aumentar, mas sim diminuir.

Ora bem: nada melhor que o Sr. Laffer para pôr o higienismo dominante nos ministérios em sentido.

Os momentos de crise são especialmente aptos para testar os moralismos governamentais, mas também os moralismos sociais em relação aos vícios legais. Agora, são as estações de televisão americanas que decidiram quebrar a regra de auto-regulação que baniu a publicidade ao alcoól das televisões. Assim uma espécie de “lei seca” no audiovisual. As marcas de bebidas alcoólicas, há muito afastadas das principais cadeias de televisão nos Estados Unidos, estão prestes a voltar em força. Isto tem uma explicação simples: a crise que o mercado publicitário atravessa.

 
Para começar, a Absolut Vodka apareceu na CBS durante a 51.ª edição dos Grammy Awards, no domingo à noite, com o seu novo anúncio Hugs (Abraços), quebrando o embargo voluntário ao álcool combinado pelas principais estações de televisão dos EUA. O facto já criou polémica com os inevitáveis advogados perspicazes a descobrir eventuais fontes de indemnização por danos causados a argumentar que os menores de 21 anos já vêem demasiada comunicação sobre as bebidas alcoólicas.

Em Portugal, só é permitida publicidade a bebidas alcoólicas depois das dez e meia da noite, existindo ainda um código de auto-regulação e de boas práticas criado pela própria indústria. Em 2001, a NBC tornou-se a primeira cadeia de televisão a colocar publicidade num conteúdo seu (Saturday Night Live), ao promover a vodca Smirnof. A polémica foi enorme, apesar de forte campanha paralela de consciencialização para os perigos do consumo excessivo de álcool. Os inevitáveis grupos de advogados e o Congresso pressionaram a ponto de a NBC retirar esta publicidade. Desde então a mesma estação fez outras tentativas, através das suas filiadas, com as marcas Bacardi e Grey Rose.

Como se vê, não existe melhor teste às convicções dos Estados e das sociedades sobre os vícios legais que uma forte crise. Quando as receitas fiscais caiem abruptamente e quando a publicidade desaparece dos ecrans, normalmente os vícios deixam de ser aparentemente tão maus o quanto são “pintados” nos belos discursos sobre a saúde pública, a pureza sanitária e a vida saudável.

(publicado na edição de hoje do Diário de Aveiro)
(Foto)


publicado por Jorge Ferreira às 11:00 | link do post | comentar

JORGE FERREIRA
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